Pequeno Prefácio do Autor

2008 é nome da obra em que me insiro num universo da passionalidade ficcional.
Não sei se ao leitor agradará o ritmo e os recortes ou os possíveis surgimentos, sei sim que entre a verdade e aquilo que inventamos há um universo inteiro: é nesse universo que estamos no ano de 2008.
Prefaciando cada capítulo meu, encontro Waldo Motta, poeta dominador de almas que é.

O último capítulo Réquiem está na barra acima por um motivo último.
Os capítulos são interdependentes podendo ser acompanhados sem ordem ou pela ordem do leitor.

Classificação etária: maiores de 16 anos.

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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Julho 3

E se lembrava que o desespero era pior do que não ter esperança. Era enlouquecer e mantê-la viva, forte e quente. Ainda quente a esperança em seus lábios todos: aqueles que falavam também de outras coisas, que pudessem falar de revolta também de inúmeras coisas sem que nada ou ninguém ou todos pelo menos todos lhe devolvessem aos ouvidos algum cuidado.

Foi no passado, em seu primeiro desengano, que aprendera a esmurrar o ar com as mãos bem fechadas e forte, muito forte! A sua primeira força, a força maior que um dia esmurrara algo: era o ar. Nunca mais esmurrara nada assim.
Ninguém nem um rato sentira assim.

Estapeava vez ou outra um filhote de gato que pegara para criar e fazer companhia a Personne, mas não por isso que lhe veio na memória... o ar e seu soco duro. Vinha-lhe na memória que com o passar dos tempos aprendera algo muito importante: pois caso o vissem, naquele gesto constante e violento contra o ar, o que lhe diriam? Aprendera enquanto esmurrava num processo de esmurrar cada vez menos que lhe bastava a imagem do murro.
A imagem do murro transcendia o murro e assim a sociedade nunca lhe evocaria por louco, nem por pouco, e isso lhe dava prazer, poderia sequer imaginar que o seu silêncio muitas vezes era um murro: no ar, como fizera em épocas de desespero.

Daí também, na mesma época, porque há uma época em que tudo vem junto, ele aprendera que o êxtase, o famoso êxtase que vem de um famoso amor, este não podia ser expresso. O mundo ao redor tem inveja dos que sorriem ao vento. O mundo ao redor não gosta de homens que riem por nada... É sorrir por nada, sorrir por amor?

O feio jamais percebeu nem nunca soube que um dia enquanto se preparava para ser forte e pensar nas estratégias de viver bem, o pequeno, em sua última despedida de si mesmo, repetia enquanto chorava ou lacrimejava ou as duas coisas. O pequeno repetia e repetia: eu não tenho culpa de sentir isso. Várias lágrimas e o ranho em seu rosto bonito. Eu não tenho culpa de sentir isso. E o murro no ar que espalhava as lágrimas ou ranho do rosto que era mais pesado era o que caía. E o barulho do ar com seu murro: o braço fino e portanto era barulho de ferro fino no ar. Parece até que acordava à tarde. Grande tarde de sol poente e linda, ardendo em seus olhos semi fechados por que ora choravam e ora queriam admirar o céu. Parece que até acordava à tarde os morcegos. E eles não gostavam desse barulho dos braços finos.

Lembrando-se de tudo isso, ocorreu-lhe que deveria agradecer ao tempo. O tempo lhe ensinara a imaginar sem precisar ninguém perceber e ao mesmo tempo lhe dava provas de que tudo voltava à normalidade das coisas. O tempo lhe dava provas de que bastava aprender a fingir para que as coisas dos homens ao menos não lhe prendessem na redoma do desagrado.

Antes, antes aprendera com deus que era importante agradecê-lo inclusive por ter lhe dado uma família que lhe ensinou - sem querer, mas ensinou - que os meninos que gostavam dos meninos se não se curassem nessa vida, teria outras e novas chances de não ser um pervertido. Novas chances em outras vidas e dessa ele faria o quê? Talvez continuasse pequeno.

E numa vida entre outra vida para onde iria a sua alma. Para descobrir que quando se encarnasse novamente, sendo corpo novamente: teria que controlar seus impulsos. E onde aprenderia isso e com quem? Com os espíritos.

Pai nosso, obrigado por ter lhe ensinado tudo isso, mas desse jeito são os umbralinos que lhe fazem companhia. Pai nosso, tu que morreste já, não tiveste culpa de ter lhe ensinado assim. Era o que ele pensava ao seu pai, que era nosso, porque ele, o pequeno, tinha dois irmãos.

Mas era julho. Ele estava feliz com seu reencontro. E esses pensamentos o tempo já havia deixado passar...

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