Pequeno Prefácio do Autor

2008 é nome da obra em que me insiro num universo da passionalidade ficcional.
Não sei se ao leitor agradará o ritmo e os recortes ou os possíveis surgimentos, sei sim que entre a verdade e aquilo que inventamos há um universo inteiro: é nesse universo que estamos no ano de 2008.
Prefaciando cada capítulo meu, encontro Waldo Motta, poeta dominador de almas que é.

O último capítulo Réquiem está na barra acima por um motivo último.
Os capítulos são interdependentes podendo ser acompanhados sem ordem ou pela ordem do leitor.

Classificação etária: maiores de 16 anos.

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domingo, 22 de março de 2009

Rio de Janeiro VI

É importante sobressaltar que naquele lugar, entre aqueles quatro encontros, no decorrer daquele todo ano, o nosso pequeno não era mais o mesmo chegado desprevenido e exaltado de coragem.

Desde o primeiro encontro não dormia mais em paz. Os fatos íntimos se agregaram em sua alma como é ou deve ser quando é íntimo demais. Doentio, antes de tomar de suas bagas, alívio bastante prático, ele ainda tentava resguardar sanidade de tudo o que sentira até então.

As artimanhas, nada disso funcionava. Ou funcionava muito pouco. E nas entranhas tentava colocar o rico e seus dentes tão lindos. Aprendera mais algumas técnicas, depois que se mudara da Lapa e fora para Santa Tereza, onde vivia como em casa de boneca. Realmente um apartamento interessante já que dava para uma varanda baixa e para um parquinho. Difícil descrever. No entanto, combinava com sua alma.

Era a Tereza Santa que piedosa lhe deu conforto e um quarto enorme e menos mofado para descansar o espírito. Dava-se de escrever, pois um outro amigo, muito amigo, havia lhe mandado um notebook antigo e era a sua felicidade abrir o miltinho e se entregar às ficções tão bem quistas.

Evidentemente, a escrita, sempre a seu favor. Ou não. Nesse tempo aprendera a nunca mais escrever poemas, nem colocar nomes neles e sobretudo cartas, nunca escrever cartas porque nem ele, ele mesmo nunca voltaria a lê-las.

Mas falemos do quanto se comprimia, em vez de todo o sentido tátil e póetico das noites que ele deixava entrar no quarto para lhe dar penumbra na pele e se autoalisar em pról de carinho. Agora, se pensasse no rico, pensava na tortura que era ter pele. E como seria pior não tê-la.

Para entendermos um pouco mais desse personagem, voltar sempre era preciso. Ele não queria. Lutava contra as explicações históricas. Mas quem sabe um bom analista pudesse se apiedar de suas dores ou não se apiedar de nada, porque é de uma humanidade mórbida esse menino.

Lembremos por nós de quando ele decidiu não deixar ninguém tocar sua pele. Lembremos disso. O que ele fez de si? Se ainda não contei, é porque fora terrível. Fora o tempo dos infernos mais prazeros. E é difícil de acreditar que alguém no auto casulo pudesse se ofertar tanto prazer: primeiro, criou a lei da negação, o prazer portanto de dizer não, com uma sofisiticação apenas, não dizer não com a voz, dizer com os gestos, se esguiar, se esgueirar e fugir de fininho das investidas. Sorrir sempre, buscar um drinque, não voltar mais. Explicar nunca. Tudo isso que deixam alguns homens muito bravos.

Depois, as coisas escritas. Não voltemos nelas.

Por fim, na tríade de seus prazeres o olho coberto de desejo: ver se é mais forte ainda.

Ele não tinha dúvida de que sabia exatamente o que o feio sentia. Ele não tinha dúvidas que ficaria sozinho, mesmo descobrindo seus pequenos cuidados de si, para que um dia pudesse, como podem as donzelas dizer, que é verdade, exite de realidade própria alguém que espera. Por mais que já houvesse escutado a voz daquele ser amado, dizendo viagem... que viagem sua, meu amigo... por mais que lhe dissessem a face: tu, pequeno, enlouqueceste - ele ainda persistia. Caso fosse mesmo louco, não seria covardia entregar o seu destino nem que fosse uma noite a um estranho mais maldito? E se enredasse num jogo de não amar estando gozado por dias e dias namorado, não seria mais maldito? Por um tempo ele desacreditou mesmo nos tolos. Mas não que fosse ele o pior de todos.

Toda aquela sintomatologia persistia. Foi difícil acabar com ela, meu pequeno doentio. Foi difícil deixar de ouvir a voz da alma gêmea que tanto lhe parecia ser. Que era! Afirmava e num segundo já não mais. Não, é loucura minha. E era! Mas não, eu sei viver entre os mortais. Que prova lhe dava, então, ninguém ninguém o admirava nisso. Ousou até ouvir da boca de outros que era mais um jovem obsessivo.

Obsessão não seria perseguir e ir a fundo e fazer como fazem esses malucos que andam por aí armados ou violentos a destruir o outro? Nunca faria sofrer mais o nosso feio do que o nosso feio já sofria por sua covardia. Era no que ele, no fundo, sempre acabava por crer. Sentia também que o feio sofria por seu sofrimento. E neste amálgama crescente. Os dois sofriam por não se ter. E se respeitavam assim, no silêncio perpétuo, no sentir o sentir que não é seu, mas que se torna seu, a partir que senti.

E a parte sentida separada por distância vai telepatizando mais e mais. Por isso todas as decisões e revoltas, talvez, porque foi difícil acabar com esse ciclo. Que ao mesmo tempo o viciava sendo a única maneira de possuir o amado feio amado.

Por quatro vezes conseguira uma arma. A primeira arma linda arma. E por quatro vezes junto a um amigo tentou dispará-la contra si. Demorava para ter coragem, mas uma hora tinha. Passavam a noite inteira esperando essa hora que a mão fale mais forte e que a dor também. O amigo fazia igual ou como acontecera duas vezes um foi antes duas vezes outro primeiro.

Não se pode imaginar a tensão. No quarto, passavam juntos, dois dias. Esse amigo que mais tarde o socorria nas crises que não eram criativas mas das passionalidades que retornaram até aqui. O primeiro suspense está consigo, depois se a bala se perde no amigo, como explicar? Uma hora o desejo é maior e não se quer explicar. Fica sendo coisa mórbida, doentia, prova de tudo o que o mundo queria: és louco. és suicida. e se é o outro que morre: um assassino.

Daí, o grande prazer, porque por sorte, acaso ou missão. Deus não queria, ou os anjos, ou os demônios, ou seja lá a vida! não queria que nem um dos dois morressem ali. Claro que sempre torciam para vencerem o destino. E a glória disso, infinitamente, poderosa.

Como então, não explicar, que desses quatro gozos satisfeitos, nosso pequeno e seu amigo teriam medo de pequenos defeitos.

Muitas vezes, em vez de ir a boate, estava sim no seu ritual de não passagem e dormiam, como dormiam extasiados de vencerem a morte, o amor e a vida. Não era disso que tratavam os escritores.

Até ficava sem escrever por meses. Era esse o seu terceiro e último prazer.

Estamos no Rio de Janeiro, onde arma seria fácil de achar e ele, acocorado de dor anímica, nem se lembrava mais disso. Mas talvez soubesse que uma hora teria que tomar um comprimido e deixar que o outro dia lhe levasse a mesma cena à noite e assim, sussessivamente até que o rico voltasse.

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