Pequeno Prefácio do Autor

2008 é nome da obra em que me insiro num universo da passionalidade ficcional.
Não sei se ao leitor agradará o ritmo e os recortes ou os possíveis surgimentos, sei sim que entre a verdade e aquilo que inventamos há um universo inteiro: é nesse universo que estamos no ano de 2008.
Prefaciando cada capítulo meu, encontro Waldo Motta, poeta dominador de almas que é.

O último capítulo Réquiem está na barra acima por um motivo último.
Os capítulos são interdependentes podendo ser acompanhados sem ordem ou pela ordem do leitor.

Classificação etária: maiores de 16 anos.

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terça-feira, 7 de abril de 2009

Rio de Janeiro XIV

A chegada a São Paulo fazia-o pensar que logo o carnaval do Rio é que perdia. Mas carnaval sem máscaras não tinha graça: a máscara que se utilizava agora era mais divertida. Talvez a tirasse se caso o ranzinza passasse pela prova que ele mesmo calculara: mas que nunca diria.

Foi em São Paulo, no entanto, que o horror voltou ao espírito do pobre coitado ínfimo, que brincou de possuir seu destino e mal sabia: que ambos, tanto ele quanto o novo amante seriam obra da mais bizarra alegoria do passado.

Paulo, que discípulo melhor tu podias ser para levar o nosso pequeno direto à verdade toda esquecida. Paulo, que busca ser santo, próximo sempre a Cristo.

Naquela pequena e claustrofóbica quitinete: livros de intelectual no chão, formando verdadeiras colunas. Livros e músicas antigas, a maior parte do não-gosto do pequeno, mas que ouvira, uma a uma na alegria espontânea com que vira seu ranzinza.

Fora seu carnaval mais claustrofóbico sim: pois até o cigarro fumava, dentro do banheiro minúsculo, para não incomodar o sono do outro. que virava a noite e dormia de dia. coisa de desregular a relação que mais se pareceu com o Feitiço de Áquila naqueles dias.

Enquanto um dormia e não podia se abrir a janela, que a claridade machucava o ranzinza - para não reutilizar o hábitdo da irritação, o pequeno se comprimia a fumar e debater consigo mesmo da experiência vivida.

O que eu disse se cumpriu, já estamos na segunda cidade de nossa vida. Mas daqui não passa. Será? Tomara. Ou não.

Conversaram e riram, e se maltrataram um pouco: porque só a presença do pequeno maltratava a verdade que o outro tinha de que a humanidade era má, sarcástica e feita de humilhações. Dos maltratados do ranzinza ao pequeno: já sabemos de sua capacidade irônica. Portanto, descartável de reproduzi-las. Em São Paulo, fora as gentilezas adquiridas, muito continuava igual.

Foi bonito sim ao pequeno, perceber a mudança do clima em seu corpo, sua pele acostumada aos suores, não suava mais: no entanto, a fim de não se perder nas viradas noturnas do amante, tinha seus remédios que tomava escondido sempre e ia, capotando ia... dormindo... até que o amante não percebesse e nem pudesse sacudi-lo tamanha a força real dos efeitos pretendidos.

Se era sofrimento ao pequeno, nada sofre quando vive coisas diferentes, sobretudo amores. Ele ainda percrustava o coração cinzento: havia uma pontinha de um possível... coisa que era melhor não pensar. Escrevia mais no banheiro do novo romance pretendido. Mais nada. Estava ali a ser servido. Mas gostava. Gostou de passear a noite pelas ruas densas, cheias de mendigos muito menos amigáveis que do Rio de Janeiro, e houve uma caminhada linda que passava por belos pedaços da liberdade até chegar ao Edifício Moema, onde tanta gente morrera: foi-lhe um fascínio. Presente do ranzinza que conhecia a sua alma mórbida.

- Aí está.

Depois voltaram e pela praça da Sé, acho que era, pararam um pouco, de pé, para não sentarem junto aos muitos que ali estavam. Todos advertidos de serem perigosos. De qualquer forma, era uma praça linda, por baixo da escadaria da igreja santa, quase gótica, assim o pequeno viu ao fim da tarde e do crepúsculo mal iluminado por nuvens nebulosas. Mas as cidade coloria-se da iluminação pública e amarelada. O bairro da liberdade estava próximo. É difícil, sempre fora ao pequeno, detalhar-se em geografias. Fica a foto no íntimo misturado às suas inúmeras fantasias e aos mitos que futuramente criava.

Nesse sentido, foi um cavalheiro anfitrião, este ciso de homem: ainda se preocupava com a segurança do pequeno, acreditem. Mesmo tendo, por ali, sofrido ataque violento de uma gangue de ladrões, ataque este que, por seus efeitos, o levara ao Rio. O que não é por acaso, é por seguimento.

- Estou mais fascinado pelos becos vazios. São trajetos muito bonitos.

E eram os mais perigosos, dizia o anfitrião. Eram. Mas não naquele dia, naquela noite de passeio. Não.

Tomaram sorvete. Tomaram vinho. Comeram chocolate. Fizeram sexo. Não amor. Porque amor não era pretendido ao ranzinza: o amor era o seu ponto de proibição, fazia parte de sua conduta de ética, como vimos na passagem do toque simples em seu braço que foi o maior causador de conflito.

- Se tu fosses como os outros, sua bicinha.

Até chegaram ao coito e o ranzinza esquecera de destrancar a porta e ao final a porta esteve aberta. Talvez até algum vizinho os tenha visto. Porque se ouviu um pequeno ranger que fechava, por delicadeza talvez, a madeira semi-aberta.

Dali, houve a curiosidade do amante conhecer a mãe do pequeno.

- Pelo que tu diz dela, eu me apaixonaria mais por ela, do que por você, porque ela deve ser muito especial de se conhecer.

Um pretexto de ser. Ela, a amada mãe do pequeno, mais um encontro em outra cidade, desta vez ao sul. De onde vinham nossos personagens?

Saberemos mais tarde. Que o que importa é finalizar o capítulo: eis, que este subtítulo terminava assim:

Quando o feio foi amado, no início da história, houve, lembremos, o período sacrificial de esquecimento e o ápice quando finalmente tudo fora esquecido, até seu nome, até sua passagem pelo destino, descriado mesmo na boca e em tudo que o pequeno pudesse se lembrar: não lembrava mais. Ficou como já dissemos tal qual reminiscência. Em vida passada, coisa de esquisito. Conquista do nosso herói narrativo. Porém, no iníco do amor, ele procurara por notícias do feio, ninguém, afora a sua família o conhecia, o que os amantes jovens normalmente fazem, que é de procurar por amigos dos amigos, o pequeno fez sim tentou, mas nem amigos dos amigos nem em lugares inusitados que frenquentara nem nos caretas e nada: o feio nunca esteve, ninguém na ilha o conhecera ou nunca, de verdade nunca ouvira alguém citar seu nome.

Era uma agonia ao pequeno, numa ilha em que todos se conhecem, que aquele ser fosse tão obscuro numa juventude tão contundente. Era, porque vivia só, e vivia por si mesmo, na sua própria feiura e covardia, talvez, de enfrentar o mundo sem poder mantê-lo controlável. Coisas dos tímidos. E o pequeno, conhecia muita gente: muita gente de vários ambientes e localidades, de estilos e de desestímulos, o pequeno conhecia.

Pois, por que voltar aí, se já era esquecido. Pois da boca do amante, de uma hora a outra, o ranzinza resolveu contar sobre uma família que ele considerou muito especial e que certamente o pequeno conheceria - sabe-se lá de onde tirou isso, já que era tão popular! Ironizou. E desta família havia um rapaz em específico que mais lhe chamava a atenção, pela inteligência, depois de anos procurando por alguém que falasse seu nome, depois de anos esquecendo o mesmo nome, surgiu na goela do amante, naquele quarto minúscula quitinete e claustro: o nome do feio.

Certamente o pequeno fingiu que não o conheceu. Que nem sabia de que família se tratava, que, ah! tinha feito um curso de francês com alguém dali que se situava há tanto tempo atrás que nem se lembrava ao certo. E era mesmo o nome do feio. Nunca ouvira o nome do feio na boca de ninguém, e justo ali, naquele momento com aquele homem, naquela cidade antro de gotiscismos brasileiros: foi até o banheiro e tentou sentir a repercursão no seu íntimo. Por fim, com muito orgulho disse a si mesmo:

- Não repercurtiu nada. Está mesmo esquecido este nome do meu conhecimento anímico.

E voltou ao ranzinza como se a conversa fosse mais um desses diálogos provocados ao nada sem efeito de nada algum. Voltou-se aos dois. Tinha mais um dia para curtirem-se.

No entanto, a repercursão racional não, nem o coração bateu mais forte, também não. O nome fora evocado, coisa que o pobre pequeno mal suporia. Como vírus que se pega e só se descobre em chek-up.

O nome ouvido entrara e ali fora semeando devagar e forte por dentro dos canais sinapticos da pobre criatura, dentro até encontrar a caixa pandoresca onde houvesse um dia se trancado. Dentro, demorou horas ou dias, mas foi sem que a consicência tão grande de si do pequeno o notasse, pelas veias ou qualquer canal de transparência que o pequeno detectasse. Partiu numa viagem arriscada o tal nome ecoado. É que tendo sido ingenuamente esquecido, passou de certo despercebido até chegar a inconsciência: largo campo em que tudo é jorrado, e lá, em sonhos talvez, procurou trazer à tona o nome grande, a história toda, o reverberar liberto do monstro.

Na viagem de volta, poucas horas de fato, sem querer lhe vinha a memória os fatos esquecidos. O pequeno duvidava mesmo que talvez houvesse existido. Estava mais orgulhos de não ter causado nada nem em seus ossos repercursão nenhuma nos seus movimentos físicos e criativos. Foi ao parar num dos postos, em rodovia aberta que teve uma vontade vertiginosa de não precisar mais da vida: e lançar-se à estrada talvez fosse a maneira de continuar biologicamente sua jornada, sem precisar mais nada, cultura nenhum ou nome de igrejas, praças, amantes e amores.

Sim, sinceramente, deu dois passos em direção à estrada. Fumou um cigarro. Deu mais dois passos. Mas os pés no chão eram mais claros que a sujeira prevista. Alívio aos que ficariam sem ver o pequeno. Evocação da terra mesma? Do que adianta a estrada longa, asas, pequeno, tu não terás nesta vida.

Ao reentrar no ônibus, sua decisão já estava tomada: ao menos ao sul eu volto. Concluo meu novo romance por lá. É o destino. Algo me chama, não sei o que é. Mas algo me evoca ao sul, novamente, mas dessa vez, bem ao sul, onde a mãe e o irmão se escondera, longe da ilha, ao sul, onde baleias passeiam no inverno. Temeroso inverno que passaria. Mas ao sul, tinha que voltar ao sul e completar misssões insabidas. Esse fora o motivo principal de sua volta do Rio. Embora lá, avisava apenas, que era necessário voltar.

Claro que ninguém entendera. Claro que ele não fazia-se por entender. Ninguém de fato entenderia. É preciso fatos para as pessoas terem certeza que a decisão era mesmo certa. Mas dos fatos íntimos, ninguém acredita que eles podem estimular uma vida inteira, uma história inteira, uma decisão tão séria. E decidida.

Perguntaram se havia ganhado uma herança. Perguntaram se estava doente. Perguntaram se precisava cuidar da mãe doente. Perguntaram se tinha recebido uma proposta inusitada financeira. Acreditaram até que houvesse um amante, só podia ser por amor que se mudava. Que decidia assim, quando tudo estava estável em Santa Tereza! Quando até era chamado para mais dois empregos na área que lhe dava cada vez mais dinheiro. E ele não arredou o pé em dizer a meia-verdade: vou porque tenho escritos a concluir.

E o ranzinza, coitado, já havia servido aos seus propósitos, mas mais: aos propósitos do bizarro.

- Não nos veremo mais aqui, nem no Rio, agora é cumprir o previsto. Só me encontrarias no sul, mas não na ilha, onde minha mãe mora e que tu tens tanta vontade de conhecer. O que torna mais desafiador concluir nossa história de amor. Eram quatro cidades, lembra? E dará um conto bom.

O ranzinza que tinha os horários certos dos ônibus e do metrô fez o possível para protelar aquela ida, e conseguiu, era pra sair as 13 horas de um dia, mas só foi embora, virado da madrugada, no dia seguinte às 08 da manhã com o ranzinza de olhos vermelhos: cansaço e choro controlado.

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