Pequeno Prefácio do Autor

2008 é nome da obra em que me insiro num universo da passionalidade ficcional.
Não sei se ao leitor agradará o ritmo e os recortes ou os possíveis surgimentos, sei sim que entre a verdade e aquilo que inventamos há um universo inteiro: é nesse universo que estamos no ano de 2008.
Prefaciando cada capítulo meu, encontro Waldo Motta, poeta dominador de almas que é.

O último capítulo Réquiem está na barra acima por um motivo último.
Os capítulos são interdependentes podendo ser acompanhados sem ordem ou pela ordem do leitor.

Classificação etária: maiores de 16 anos.

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sexta-feira, 20 de março de 2009

Rio de Janeiro III

Ao dormir no calor de seu quarto mofado o que tentava era não se lembrar e desenvolveu então a habilidade de lembrar-se apenas quando nos sonhos tidos.

Sim, em todos os sonhos que tivera. Naqueles universos constantes é que punha seu foco sobre si. O passado dos sonhos e suas linhas nunca traçadas. Por história alguma. Cada sonho que tivera na vida encerrava uma vida em si. Embora alguns elementos vez ou outra surgissem...

Se entrássemos nos detalhes da maioria mórbidos que eram, não mais chamariam pesadelos o que para o pequeno se tornava uma distração habitual. Ironicamente na nova cidade ele nunca ou raras vezes sonhava.

Como a princípio não tinha emprego, acordava cedo e buscava pelas ruas alguma motivação. Claro que haviam milhares de coisas a se fazer nem que fosse pegar panfletos e se instruir sobre o universo ali pautado. Como sempre evitava as notícias de jornais: tudo o que via não era notícia demais para os olhos? E a pele inteira também. Nem uma cultura o tiraria das decisões íntimas tomadas.

E continuava a escrever. Como podia, tal qual queria, do que queria, contando que o gosto da letra nunca ousesse lembrar de si. O fascínio pela ficção se estendeu aos romances. Ou histórias maiores que ele concluiria ali e ali iniciaria outro. E feito os sonhos que gostava de se relembrar, eram histórias que cabiam por si.

Si. E não se... era a palavra mágica do feitiço.

Fome pouca. Sede pouca. Mesmo no Rio de Janeiro. Destino algum, porém todo, todo domado. Ah, que excitação sem amores nem qualquer invasão.

E continuava sobrevivendo sem peitos. Nessa questão é preciso dizer que um dia ainda jovem depois dos fatos ocorridos com o feio, como método prático de sua dissolução, aprendera a furar os peitos e com seus mamilos férreos não tirar mais leite. Nesse período a dor que é inicial sentida do encosto da carne intríseca e perfurada era o deleite inicial, daquilo que é aproveitar até o fim o sentido tato das coisas. Dor, era uma palavra que muito raramente se tornaria útil em sua vida, a não ser para se transformar em êxtase.

A falta. A partida. O ego dizimado. Os pesadelos tidos. O fracasso. A partida. O coração sangrado. O peito, meu deus, sangrava um filete que lhe causava risos. E não parara por aí, ou antes, já na adolescência tinha o hábito de cortar-se com giletes para que um dia, precisando acabar-se mesmo, fosse a mesma mesmo enferrujada índice bom no seio mortuário.

Quando publicara seu primeiro livro e começara a dar entender-se de vida é que o povo se incumbia em aplicar-lhe perguntas sobre a morbidez e suicídio constante ali, assassinatos e mortes, como se conhecesse a mente humana ou tivesse esse disparate de achar-se conhecedor do que o homem produz de horror... mas configurava-se apenas ficção.

- Vocês não podem ver que eu não sou conhecedor extremo de suicídio algum, uma vez que estou aqui e vivo entre vocês e estou sorrindo demais para quem um dia morrera.

Porque conhecia sim, matar o outro de si. Sim. Conhecia e se regojizava disso. Poderes de gente! E as competências todas cabíveis que nenhuma alteração parlamentar poderia tirar: a palavra é minha e a história também!

- Todas as que eu quiser inventar, eu inventarei e ponto final. Pensem vocês no tipo de experiência que tive, sou um pobre rapaz romântico que enfrentou o demônio por bem de si e não da humanidade.

Até imaginara muitas vezes que no fundo era ele a sua alma gêmea e que no Rio ainda mais fácil seria de encontrá-lo subindo a sua rua-boca de espíritos viria descer aquela rajada toda de fogo e frente ao portão da vila em que sobrevivia estaria ele a sua espera. Nada de cavalos brancos porque era urbano. Mas os mortos, certamente, os mortos cavalgariam por eles. Eles e só eles no seu traço particular. Breves sonhos deleitosos tinha.

Como fantasia de sexo o tinha. E suas babas e suas deformidades, o tinha. Assim que era mais tranqüilo não precisar alguém real. Fantasias não se realizam, pensava consigo mesmo.

Quem lhe causou tesão primeiro, porém, foi o cristo quando pequeno. O primeiro homem nu que vira e o excitara de tal forma que imitando-o pregado a cruz, para ver os próprios ossos, aos seis aninhos, caiu e cortou a testa. Ali onde mais tarde fecharia os chifres, para que a humanidade nunca nunca desconfiasse de seus atos impuros.

Corpo perfeito era o corpo cristão. Magro. Portanto, sua magreza poderia ter começado ali, bem como suas profundas noções de pecado: nada mais que um corte afetado e curado, por que não, pela humanidade.

Só não se tornara filósofo porque gostava de decidir coisas. Decisões muitas vezes sem precisão de serem vistas ou observadas. Era uma atitude de prazer esta. Mas parece mesmo que lá na cidade caótica é que manteve o equilíbrio perfeito. Chegava em casa muitas vezes tarde demais, andava cambalheante e bêbado até a madrugada, passava por meninos com cara de mau e seguia até o portão. Mas ele, o diabo mesmo, nunca esteve lá. Sorria. Haverá outra cidade em que encontrasse alma gêmea capaz de ouvir os seus segredos íntimos?

Não, meu pequeno, não faça isso comigo. Sentiu um pensamento. Mas de onde vinha? De que voz? Ocorrera sim, que os fatos estranhos traziam consigo fenômenos não materiais. Mas há muito já sabemos que a imaterialidade artística também é causa de orgulho as nações.

Mas o caminho não estava longe daqueles que vão afundo em suas histórias amorosas. Chegou o dia, antes do outono, que já não pôde mais se esconder. Ou melhor, fora encontrado. Pouco dava notícias, estou bem, era o que dizia a quem quisesse saber. Estar bem ou bem-estar é mesmo um termo muito bom para não se ouvir perguntas e questões. Uma maneira muito amigável e humana de não pretender criar rumores.

Logo sua curiosidade maior seria conhecer o Outono ali, e todas as estações, quando vindassem estas, então, talvez, fosse dia de partir. Chegou a panfletear na rua em troca de um bom curso de artes filmográficas. E aproveitou bem, que fizera outros rirem e até amizades. Aproveitava bem dessa artimanha adquirida em ser legal e sorrir ainda que dor de barriga o lhe evocasse a terra.

E não era a dor, na barriga, um. Prazer?!

Ele adorava estar sozinho. Ele adorava suar naquela cidade e depois de um banho suar novamente, mas menor, e aí escorrer as mãos pelo corpo inteiro e pelas dobras. Como adorava suas dobras bem claras e certas. Ele adorava dançar sozinho e só quando era muito forte o desespero vindo mesmo de algo insabido era que chorava mas sem parar os gestos definidos no espaço porque queria.

Esquecera tanto que houvera alguma paixão na vida que se surpreendera com o telefonema maldito. Nestas alturas, crente demais, o pequeno percebeu que nunca fugiria.

Dos pobres se fogem rápidos. Dos infelizes e dos fracos também. Dos tristes se foge com semblante complacente... Mas dos outros, daqueles insistentes, dos perversos, dos culpados: nunca haveria?

Se até um dia imaginou com uma mão a cabeça de Sansão e com a alma de Dalila. E os comia em oferta à carne a o espírito: seu. Dele e demais ninguém, imaginava. Sansão e Dalila morreram há muito tempo e eu faço deles o que quiser em mim. Não!

Que desespero encontrar no número sem identificação de um número carioca que ninguém ousasse ter a voz de um chamado incalculado. Por que não aprendera que ao fim, não importasse o quê, ainda era ingênuo nas suas maquinações. Ou até infantil nos textos ficcionais. E que ninguém nunca seria. Nunca. Jamais. Só depois da morte. Mesmo assim temia que depois da morte houvesse vida, mesmo a biológica que guardasse um pingo de suas feridas em vez dos prazeres adquiridos.

Era demais saber da morte, por isso vivia. Diga-se demais saber que sempre existiria. Por isso morrer não é fácil nem se esconder de quem igual tem olhos e pernas e boca para perseguir.

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