Pequeno Prefácio do Autor

2008 é nome da obra em que me insiro num universo da passionalidade ficcional.
Não sei se ao leitor agradará o ritmo e os recortes ou os possíveis surgimentos, sei sim que entre a verdade e aquilo que inventamos há um universo inteiro: é nesse universo que estamos no ano de 2008.
Prefaciando cada capítulo meu, encontro Waldo Motta, poeta dominador de almas que é.

O último capítulo Réquiem está na barra acima por um motivo último.
Os capítulos são interdependentes podendo ser acompanhados sem ordem ou pela ordem do leitor.

Classificação etária: maiores de 16 anos.

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terça-feira, 7 de abril de 2009

Rio de Janeiro XI

E voltou.

Naquela cidade o suor talvez lhe deixasse menos cansado do que em outras vividas. A roupa do ranzinza estava seca, ele até tentou tirá-la do varal, mas não conseguia impossibilitado pelo braço. Para ele, era humilhante estar de favor de uma bicha tão minúscula.

Mesmo assim, estava mais feliz. Passara a tarde inteira no calor reclamando só: e se o menino não viesse mesmo?

Veio. E sempre viria. Ele tinha a palavra, e gostava disso.

- Eu ainda quero saber o que se esconde aí. Você não deve ser tão bonzinho. No mínimo dá o rabo bem gostoso.

Engoliu a seco.

- Eu quase não faço sexo.

- Agora sim, você me faz rir.

- Estou falando a verdade!

- Madre Tereza.

- Quem sabe eu te conte das minhas aventuras, já fiz coisas... não faço mais. É melhor estar aqui, não? Ajudando alguém do que por aí trepando ou procurando por um namorado...

O ranzinza balançava a cabeça. Mudou de tom:
- Olha, eu tenho aqui um monte de música, eu vou fazer você escutar. Adoro músicas dos anos 80.

Foi a primeira vez que veio a tortura sonora ao pequeno, que ouvia, fingia, tentava ficar bem. Não queria ouvir nada. Iria logo fazer alguma comida para o coitado e sair. Mas era fim de tarde e a amiga só voltava perto da meia-noite.

- Se ficar muito tarde, não tem problema, a gente fala com ela, é nossa amiga, poxa, e tu dormes na sala comigo. Aliás, eu não te falei: você tem que estar aqui muito cedo amanhã, porque eu vou cedo para o médico!

Deu a ordem. O pequeno silenciou. Começava a entender, mas ao mesmo tempo não pensava nisso. O ranzinza nunca faria seu tipo.

- Eu não gosto de bichinhas como tu, mas sabe que até que é bonito.

- Ah, finalmente um elogio.

- Não foi um elogio. É verdade, o teu jeito não tem nada a ver com o teu rosto, tem?

- Não sei.

- Eu gosto de Depeche Mode.

Ao menos isso. Quando alguém dizia ao pequeno que gostava de Depeche Mode as coisas melhoravam. Era compartilhar muitos segredos ou intimidade de letras e sons que ele conheceu como um país. Quando se trancava no seu quarto azul, no início de tudo, antes mesmo de ter amado a primeira vez. Depeche depois virara ícone de toda a sua indignação cristã e todas as outras passionais.

- Eu só acho que você devia se comportar mais vezes como quem tem 28 anos e não como um garoto.

- Se eu me comportasse como um cara de 28 anos, provavelmente não estaria aqui.

- Porra, tu só fala isso.

- É o destino...

Daí não soube nem um nem o outro se a frase era irônica ou verdadeira mesmo. Agoniado com a postura sempre esquiva do pequeno, ora muito moleque ora muito freirazinha, o ranzinza o colocou a força em seu colo.

- Vê como cabe direitinho.

Ele se divertia assim. A primeira vez o pequeno se levantou do colo. Mas o ranzinza puxou de volta.

- Que que tem?

- Não tem nada.

- É o suor?

- Não. Suor faz parte de gente.

- Você nunca vai reclamar de mim? De nada?

- Não estou aqui pra isso.

Como ele conseguia? Até hoje não saberemos. Mas há almas dessas que em períodos da vida ficam mesmo fortes demais, inquebráveis demais, certeiras e corretas.

- Senta aí, porra! E puxou mais uma vez.

- Só uma música a mais.

Não era mais depeche. Nem se lembrava qual era. Sentia a respiração ofegante do ranzinza, sem camisa, evidentemente, talvez crente que o nosso herói burlaria suas leis próprias. Mas não burlou. Ficou um pouco tenso, é verdade.

O importante era sair com ele no dia seguinte, e esperar que se o rico pudesse ver, como sempre via, esperar para que fosse ainda mais carinhoso, e mais singelo, e mais educado, que tivesse a capacidade de fazer brilhar os olhos no meio da multidão: daria certeza a quem fosse de que amava o ranzinza.

- Eu vou ter que ir antes dela chegar, e amanhã venho bem cedo.

- Tá vendo? Eu sabia que uma hora você iria desistir de verdade!

- Agora você está chantageando. Isso demonstra muita fraqueza sua.

O ranzinza ficou com ódio.

- Vamos fumar um cigarro lá fora do apê. É melhor pra ela não reclamar. E foram. Sentados no corredor fumavam. O prédio tinha um enorme vão central. De fato, o prédio era um famoso antigo da cidade maravilhosa, que durante muito tempo achavam que iria entortar até tudo sucumbir. Mas nada disso aconteceu até hoje.

Fumando o pequeno tinha tempo de se recolher. O ranzinza não parou daí a falar de sexo, a querer saber sobre como ele fazia, a indagar e cheirava a sexo. Talvez tivesse passado a tarde tentando se masturbar com a mão esquerda. É que ele era destro.

- Tu achas que atrais os outros com esse teu jeitinho, né? Tu não és nada. És bem uma merda, sabia?

Calava. Era parte da prova: a prova que toda maldade quer é que a bondade se fragilize e aja como ela, a maldade, agiria: taí, eu sabia que não eras tão bom. É assim, e por ser assim, a gente, e sobretudo o pequeno, tinha força de controle aprendido com muito êxito durante seus 28 anos de vida.

- Pra falar a verdade, eu prefiro o Depeche Mode dos anos 90.

O ranzinza ficou mais ranzo. Que que tinha a ver falar nisso naquela hora?
Nada de romance, pensava o garotinho: nada disso eu vou deixar florescer... quanto mais forte for a sua crueza, mais tu aumentas as minhas habilidades, mais desenvolvo os meus poderes, novos, de lhe dar com a humanidade.

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