Pequeno Prefácio do Autor

2008 é nome da obra em que me insiro num universo da passionalidade ficcional.
Não sei se ao leitor agradará o ritmo e os recortes ou os possíveis surgimentos, sei sim que entre a verdade e aquilo que inventamos há um universo inteiro: é nesse universo que estamos no ano de 2008.
Prefaciando cada capítulo meu, encontro Waldo Motta, poeta dominador de almas que é.

O último capítulo Réquiem está na barra acima por um motivo último.
Os capítulos são interdependentes podendo ser acompanhados sem ordem ou pela ordem do leitor.

Classificação etária: maiores de 16 anos.

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domingo, 28 de junho de 2009

Orquídea15

Quais são as coisas que o pequeno não queria ver? Quais são as coisas que o pequeno viria a ver? Nem tudo o pequeno sabia de si. Nem tudo ele dominara de si: as memórias sobretudo são terríveis.

Por um lado há saudade, por outro deletar nervuras traumáticas, não, o pequeno não acreditava em traumas irrecuperáveis. Não, ele acreditava em outros poderes, mais humanos e menos floriculturais.

Em que biologia se instaurava? Certamente não enlouqueceria, ou, se enlouquecesse melhor seria dormir, assim tinha tempo de pensar menos em si e mais nos seus arquétipos, mais os seus arquétipos lhe diziam, mais e menos sobreagiam também. O pequeno não estava a salvo das torturas carnais nem de dores físicas: talvez ousasse cortar a pele, mas tinha um piercing que lhe transmitia ferro tátil, já nem sentido, às vezes o beliscava para saber que estava ali.

Tinha consciência das unhas crescidas e de quando as cortava como aumentavam como cresciam ou das cáries surgidas do nada. Vazio em que as bactérias entram, por conta de não se preveni-las. Talvez escovasse pouco os dentes, já que poucos beijos dava. Talvez não tomasse banho nos julhos e agostos, mas eram meses de se desesperar em frio. Ninguém o tocara.

Neste final de ser flor, o pequeno ainda curtiu um certo segredo. Segredo só seu. Iria fazer um passeio e tornar o mundo um pouco melhor. Pra si, claro, sempre pra si mesmo. Foi quando deu notícias de que voltaria à Zimba para os amigos da ilha. Para a Zimba disse que ficaria ali, ilhado naquele feriado mágico de ser... qual estação? Qual estação depois do inverno?

Calculou muitos horários até encontrar a fórmula certa. Estaria em Brasília, estaria no lugar onde tudo começara, ficaria por algumas horas e voltaria, como se nada tivesse sido feito. O tempo de viagem era o mesmo que passaria angustiado por um pouco de seu rico. Um pote de ouro às vezes está muito longe do início do arco-íris. Por que não ir até lá era covardia? E foi.

Saiu de casa como se fosse a passeio. Vestiu sua melhor roupa e saiu. Colocou um perfume para passar vez ou outra. O ônibus, lento e rápido, lento e rápido, mas, como o óbvio, passageiro. Mais passageiro do que a noite em claro ou na insônia ou sob efeito de psicotrópicos floridos: porque era primavera e não inverno é que os remédios psiquiátricos ficavam mais azuis.

De fato, o cor-de-rosa tinha efeito mais sincero. Não precisou muito esforço para colocar o corpo num banco nem tão confortável. Apenas precisou partir. Tinha que voltar garantidamente. Tinha que viajar e encontrar seu rico, dizer pra ele tudo, tudo o que lhe acontecera. Dizer que estava tão louco a ponto de parecer humilde ou humilhação: estou aqui, e tu não estavas lá.

Enfrentou muitas coisas? Não, a paisagem era noturna, por certo, e o que via ou sentia, estava certo de estar cada cem metros mais próximo e cada cem metros adiante tinha um sentido único. Tinha sentido na própria pele que esquentava a poltrona e a poltrona, estando quente, resquentava por sua vez a pele, então, não tinha frio. Embora o ar condicionado tenha falhado quando o calor chegara. Que coisa estranha essa vida.

Parava e fumava. E continuava como deve continuar quem viaja em companhia de estranhos. Mas coletivamente. Era bom de se pensar no coletivo. Se fosse um crisântemo, pensava, quais seriam essas flores tagarelas e aquelas dorminhocas?

Mas há as cadeiras vazias e o corredor, mesmo um corredor de cadeiras dá calafrios em certas manhãs nubladas: chegara ao meio dia. Por aí, quando foi?

Lembrou-se de onde e de como chegar lá. Como não tinha o endereço do rico, apenas chegou naquele instante no lugar do início de tudo. Como acreditava ser vigiado pelo rico, acreditou que ele saberia, como soubera sempre quando esteve no Rio de Janeiro, que ele estaria lá, que ele teria feito tudo aquilo. Creditou-se também como uma flor andante e confiou no universo das coisas bonitas.

Se o rico não aparecesse, o pequeno voltaria e decidiria por si só o resto do seu destino. Que o ano já acabava por ali. Talvez, ironicamente, naquele instante, o rico estivesse sim, em Florianópolis, esperando que o pequeno atendesse o celular e descesse correndo das escadas de sua grande vila e viesse como sempre veio sorrindo e saltitantes lhe dar um abraço, para depois apertar bem sua mão, como se um aperto de mãos fosse um beijo enorme.

Mas nenhum nem o outro estiveram certos. Os cálculos, imprevistos da falta de comunicação. Era isso. O rico não aparecera e sol se punha. O pequeno não podia descer de um lugar tão alto. Não. A grande vila estava sem flores naquele dia.

Ambos retornaram com suas próprias decisões. Ambos acreditaram que o destino era feito apenas de um erro e que este erro acometia-se de outros tantos que por aí a gente ia. Mas nenhum deles deixou o orgulho de lado nem a lástima. O futuro estava distante. O futuro estava longe de acontecer. Enquanto a casinha no nordeste ficava sem murada.

Nem parecia, na próxima segunda-feira, que estava exausto. Não estava, é verdade que não, pois esteve onde quis estar e fizera o que fizera estar, voltara como voltava de um lugar ao lado. Teria sofrido mais se não fosse corpo tão leve de ser carregado tão facilmente por uma estação boa para passeios. Agora, ao menos, tinha claro, que o universo não existia assim a favor. Que estava louco e que sua loucura tinha finalizado ali, no céu de Brasília.

Viajar não era algo para tirar fotos. Mas para marcar-lhe o espírito de fundamentos ou fundações, instituições de fumaça em territórios diferentes. O seu lucky strike ficava diferente em determinadas região. Observou com a língua própria e o pulmão, sempre tão amontoado de sentimentos que vez ou outra espirrava: são pigarros, dizia.

Mesmo no Natal teve esperança. Preparou tudo tudo direitinho. Iria revelar ao seu melhor amigo a sua coragem corajosa de espera: mas não contou nada. Tinha vergonha, no íntimo, de ser tão pequeno. O Natal de 2008 era um natal bondoso, porque ao menos tivera tempo de limpar tudo e organizar uma mesa bonita. Tivera tempo de criar sonhos com seu amigo que, então, passara o natal com ele. Ao menos na amizade o pequeno se divertia. Tiraram fotos. Mas nunca de si mesmos naquele natal. Que coisa estranha, não é, não conseguir olhar para uma foto sua.

Tinha essa coisa da foto: passada a limpo, com as palmas das duas mãos, elas não diziam absolutamente nada. Ou apenas papel fotográfico: mas daí é querer pedir demais da imaginação. Papéis fotográficos são melhores quando não estão preenchidos, isto significa que ainda estão por vir? As imagens, e as pessoas e as coisas, ou umas ou outras, e as paisagens? Estão por vir?

- Não, disse o amigo, é melhor a gente dormir.

E dormiram, e os gatos fizeram uma bagunça incrível. Ao acordarem estava tudo quebrado. Tudo quebrado, no que o pequeno passou pé a pé para não atrapalhar o incômodo. Mimou seus gatos até o final do dia e só no dia seguinte é que limpara a bagunça, que por aquele tempo, era até boa de ser ver. Havia vida naquele verão tardio.

O último capítulo, esperem, por favor, se passa na última semana daquele ano. O ano do nosso romance, quando o pequeno solitário, sem voltar à casa da mãe, ainda tinha um resto de si para narrar. E haviam fatos. É verdade, alguns fatos acontecem num único instante: como a morte, como a queda de um avião, como um desmoronamento imediato, como uma tempestade imprevista. Acreditem nisso, e tenham forças para concluir a história que é, afinal, apenas mais uma dentre tantas outras indignas.

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