Se há algo que o pequeno gostava nos coitados, era de vê-los suar. Ao menos não lacrimejavam como os infelizes fizeram, de sofrer por ele, sofreram? Ou maldisseram seu nome até o fim. Que fim bonito tinha o ano desta orquídea alucinógena. Sim, teria um final bonito, porque sou eu que escrevo e existo.
Enquanto fosse um apreciador convicto das formas com que os diodos emissores de luz se manifestavam século vinte e um a fora, ainda se permitia em cantar afônicamente algum verso que lhe mostrasse vida biológica. Tudo o que fizera foi por lei contemporânea e democrática. Nenhum crime de lei. Nenhuma entrada no mundo dos vícios danosos. E se havia uma gilete em seu quarto de dormir, bem rente à quaisquer das janelas em que estivera: era apenas para se lembrar que o suicidio interminável começava no dia seguinte.
Um montante de acidez correu por suas veias: orquídea ou crisântemo, tanto faz, agora que era matéria. Sem identidade, tanto faz, agora que descobrira o amor em 2008. Agora que finalmente dele não escapasse nunca. Agora que em 2008 não queria mais fugir. Enfrentar os homens, talvez, e dizê-los: nós todos perdemos.
Um dia o pequeno ainda ousou reclamar suas posses: mas pouca gente lhe garantiu ouvidos. Já tens o hálito velho com seus trinta anos banidos de si. Já tens a pele tão cuidada de maltratos, como rejuvenesceu sem bruxarias! Mas ninguém sabia dos dentes cariados que ficavam por detrás: haviam alguns e eram horríveis. Isso porque já naquele ano nenhum o beijara tanto capaz que fosse de ter-lhe a língua inteira.
O feio tinha razão em lhe evitar. Tanto quanto o rico em lhe dizer coisas feias. Tanto quanto os príncipes em não saberem da existência dele. De nenhum conto de fadas surgiriam, meu pequeno, não se iluda tanto com as ilusões. Bem-diga sim, a realidade que o norteia.
Descobrira na humanidade alguns remédios e amizade. Estes amigos bons guardados nas páginas do mistério: era preciso não lhes deixar entrar na história. Era precisa narrar que a família do feio lhe carregou solicitamente ao seu reencontro em julho. Fora a última vez que se viram, então.
Fora o dia mais lindo, em que a Personne de verdade nascera na vida do nosso ilustríssimo. E, cara-a-cara com ele quase durante um dia inteiro pensou no quanto havia mentido de si e para si, por si só vivera. Nenhum afeto. Poderia manter um amor fraterno, 2008 estava no meio. Ouvira o rico rindo. Ouvira os infelizes soprando no inverno: era um dia quente e de sol, acreditem.
Havia acácias, e não orquídea. O homem ainda estava por vir: talvez ele te mostre algo bom. Mas não, pequeno, a chegada daquele homem que lhe servira apenas para concluir seu romance ideologista não lhe dissera nada mais do que sabia. Vamos até lá novamente: o pequeno havia fechado a porta, o homem saira satisfeito, o pequeno sabia que agora poderia concluir o Orquídea, lembrou-se do feio e pensou no rico, o telefone tocara e era o rico! O rico dissera coisas queridas...
No dia seguinte, como fora combinado consigo, começara o desfecho da obra, estava em êxtase, não se lembrou de quase nada. O resto do ano passara dormindo? Quase isso. De esgotamento. Trabalhava e dormia. Não tinha outra vítima. Pensava. Calculava. E o término do Orquídea extasiava novos planos. Seria um grande produtor do lar.
Tinha a Personne, tinha ao menos amigos, tinha ao menos o último sorriso do feio que lhe deixou uma paz profunda: não tê-lo amado nunca era uma esperança ainda.
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