Pequeno Prefácio do Autor

2008 é nome da obra em que me insiro num universo da passionalidade ficcional.
Não sei se ao leitor agradará o ritmo e os recortes ou os possíveis surgimentos, sei sim que entre a verdade e aquilo que inventamos há um universo inteiro: é nesse universo que estamos no ano de 2008.
Prefaciando cada capítulo meu, encontro Waldo Motta, poeta dominador de almas que é.

O último capítulo Réquiem está na barra acima por um motivo último.
Os capítulos são interdependentes podendo ser acompanhados sem ordem ou pela ordem do leitor.

Classificação etária: maiores de 16 anos.

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sábado, 11 de abril de 2009

Outono três

Não protele o melhor dos outonos aos leitores. Mas vamos ao futuro, que dói aquele dia.
Vamos ao futuro que em 2009 escreves, mas imóvel ainda a alma presa ao 2008 de todas as vitórias!

Não ainda. Não é? Foi num outono que o rico lhe abraçou dizendo: o terreno está comprado. Foi também no outono seguinte que iniciaram as obras.

- Mão na massa e eu, graças a ti na minha vida, tenho pago mais caro os meus pedreiros. Para que tenham uma vida decente, sabia?

No nordeste é a mão-de-obra barata que constrói o brasil dos ricos. mas de cabeça chata haviam vários sulistas. engraçado isso. fazer vitória ao pé dos pobres que ficaram um pouco mais ricos com aquela construção. Pensou o pequeno, que, por não ser dado a falar de política, ficou calado. Não foi implicar com o rico, porque estava feliz de bobo ou o contrário, e o abraçava em meio-outono e isso por si só era viver um grande amor. mas deu poucos sorrisos. era como se o futuro lhe evocasse com a notícia de uma bela casa que ano a ano, a cada outono, se preparava para recebê-lo. Talvez sozinho, temeu o pequeno, porque o rico nunca estava, e mesmo lá pouco restaria... era assim que o rico o queria, menor ainda? E a febre lhe acudia novamente. Mas não implicou com o rico naquele dia de sua felicidade, pois aprendera a respeitar a felicidade alheia engasgando os seus próprios cisos.

Aliás, foi num outono também que tirara de uma vez todos esses dentes inúteis. Porque depois disso passara a escrever melhor, não percebera, pequeno? Ou já estava em fase de total demenciação?

- Eu te amo, meu rico, mas nunca me mostre fotos da tua construção.

Ele notava que naquela estação do ano, os cheiros e os perfumes costumavam se impregnar mais nas paredes e nos tecidos. Nos móveis também. E quando o rico saiu, de fato, ele permaneceu materializado do mesmo perfume do dia em que se atreveram compartilharem entre si com tanto carinho.

- Eu tenho proteção dos tronos, por isso tu nunca me tocas, ou me encontrarás sempre arredio ao que propositas... mas quando eu acabar com todos os seus nomes e suas legiões todas, eu não precisarei mais delas, porque por mim mesmo serei protegido. Consegues tu vislumbrar qual a fonte será do meu poder próprio e própria vida? Eu sou um substantivo e tu, o que serás ou continuarás sendo? Posso matar tantos monstros e nunca um ser humano, mas ele se aloja dos pés a cabeça com provas de amor, tu, meu ser predileto e quisto, que tanto horror me provoca e me leva ao teu caminho. Não te elevarei jamais, porque creio na paz dos espíritos, deixa-me rico, cumprir antes minhas vontades. A lista nunca se completou em mim.

Escrevera isso num papel, e não é que decorara, e por mais patético fosse, aprendera a falar como que de improviso: o que deixou o rico num dia bem claro de uma das passagens a Brasília, pálido de horror. Era possível que alguém desse um texto assim como se fosse humano e natural?
Sim, era possível.

- O que você quer dizer com tudo isso. Às vezes eu não te entendo.

Foi uma das vezes que chorara e que o pequeno, por conta de ser bom, o abraçou para alimentar mais ainda o amor. Porque é quando frágil que o outro se aproveita para dizer sempre: estou aqui. Espera que o outro se fira, para que tu te vires, pequeno, e consoles. Mais amor regas no teu reino de fantasias.

Concreto, jamais. Pensava e pensaria até o fim daquele ano.

Em 2008, outono, o pequeno não sabia. Soube depois, naquele dia em que quebrava taças, soube naquele dia da boca do rico: que a casa toda já estava construída, desde meados do semestre.

Por que se tu vive de estações de quatro meses, pacientemente calculando a próxima vitória sobre si mesmo, pequeno, há quem viva anos pacientemente construído o seu castelo de ter nosso na entrada, escrito com estilo indigitável de uma mão talvez cansada de assumir grandes pesos.

- A mão do rico: disse. Foi nesse exato momento que o ódio se acumulou em ti? Filho de conflitos e ingratidões desde que mataste teu pai que era igual amante de tuas sombrias cenas, capeta de si, não vês o esforço, mínimo, mas adquirido do orgulhoso rico a colocar em tábua de madeira, quantas madeiras ele precisou pra isso? O nome "nosso" na entrada da casa.

Nosso é nada, persistia o ínfimo infeliz, em pensamento, sempre. E reafirmava o infímo e infeliz com sua palavra trancada nos dentes, que dava sim pra ouvir:

- Eu sou um substantivo.

Ele te amaria, pequeno, o rico sim, como amou todas as tuas esquivas. Mas era também não um esquivo um ridículo e patético provimento de si? Mudou por tua casa. Não mudou, apenas escreveu ou conseguiu escrever como um artesão. E isso não prova nada.

E o pior de tudo, quando ele saiu de seu apartamento todo viadinho, o apartamento viadinho, virou-se pro pequeno em tom de grande e suprema ameaça:

- Sabe o que é o pior de tudo. É que eu sei que a cada ano que passa, detestas mais o inverno. E por lá, ainda pensarás em por teu pé. E nunca mais voltar. Nem nunca mais precisar fugir.

Disse uma vez que a primeira sala de oitenta metros quadrados dava para uma porta quase um portal que lembrava o que ele imaginara das loucuras que o pequeno desenhara quando infante. E que de passagem pela obra ficava a dez pés distante da porta ou portal: ele entrará por aqui. Repetiu não sei quantas vezes, porque não sei mesmo quantas vezes voltara lá, mas deve ter sido muitas vezes, para se lembrar de contar isso aos pequenos ouvidos-lóbulos-glóbulos do nosso heroizinho.

Há dessas coisas ouvidas que não saem mais da cabeça. Como os perfumes do outono. Na cabeça.

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