Não não não podemos imaginar: que o pequeno se escondia todo esse tempo enfumaçado unicamente por seu delicioso mundo imaginário de amores. Recanto de suas demências era: a vitória da virada matutina. Apogeu de seu silêncio e ira: extravado em cima de altas caixas de som. Do grave se faz matéria, dizia.
Ou gritavam por lá: - chegara a demência, chegara. E caçava entre os perdidos os seus garotos e garotas noturnos todos. Que provas dar de sanidades às bichas mascaradas? Um grito. Urrava! Exbatia, resvalava, translúcido em suor. Vez ou outra não parava nunca de dançar. E quantos acompanharam sua energia vitalícia, íntegra, quase satânica! Era sorrindo que cumprimentava os colegas da burocrática rotina noturna: sábados ou sextas? Muitas vezes em domingos se reunia sóbrio e depois bebia um pouco: sozinho ainda se divertia até a exaustão.
Desde cedo o pequeno soube onde procurar abrigo. Foi quando percebera um mundo de sigilos passageiros: ruas pequenas e estreitas, passagens rápidas pelos cabelos alheios. Beijos, beijos, beijos. Preferia quando alguém lhe roubava os sentidos, metidos num banheirinho:
- Eu cai-bo, repetia se rindo.
Mas não o levem pra casa, a perversão do pequeno era se divertir des-coito, o coitado, ficava sozinho. Os coitados, podem ter sido seus grandes amores, ou pequenos que pudessem de aliviar desses horrores febris em busca de almas siamesas. Mas não, noturno, o pequeno era outro, sempre fora: demente.
Até servira-se de tábua de cocaína: a pele esticada e magra, o dorso pulsante, mas não cheirava, iludia-se no doce hálito vindo daquelas outras barbas. Eles podiam gozar no pequeno desde que este visse tudo: de fora. Sempre de fora. Ejacular o quê? Nunca em seus pudores pensava na dor alheia, coito interrompido, até porque era desse prazer que vivia. Interromper tudo, por decisão própria.
Mesmo quando fora estuprado, o pequeno, estuprado com, ou tantas vezes, a raiva dos possuidores que não admitiam aquilo! Aquilozinho brincando de cara satisfeita, deslizando indo embora por entre os sofás e paredes: por sombras o pequeno sabia se esconder.
Drogava os outros quando dizia não às drogas. E voltava à casa das pistas e deliciosas danças. No tempo do pequeno dançar de qualquer jeito era a moda.
Punk no tecno ou passinho de bêbado. O cotovelo à mostra: onde estavam os libertinos? Eram de beijar mais de três, eram de beijar à quatro. Eram de um lesbianismo único. Eram. Onde estava a princesinha?
Te espera ali ao lado com balas na mão. Lembrava-se da época dos pirulitos: metidos em doses de whisky ou tequila sem desculpa alguma: nos lábios dos amigos mordidos.
Flutuava ao som de djs sombrios. Chegara a trabalhar algemado por conta disso: enfrentando absurdos bandidos quando o vigia não estava: era bar de bibas grossas.
- Você aguenta ou topa?
- Os dois.
E se alguém brilhava junto em gargalhar com ele uma noite inteira: uma noite inteira podia gargalhar e no outro dia, no outro dia, de novo pequeno. Era melhor deixar os coitados e os coitos e brincar de que podia tudo anoitecer.
Podemos até dizer que apenas e somente os namorados de fato lhe penetraram o corpo: o resto era doidura mesmo. O resto nós sabemos dessa perversa alma que brincava de não-ser. Materializar o espírito é coisa de crente, repetia rindo.
E os amigos? Podiam sim lhe apertar o pescoço, chicotes ou tapas em sua face iniciada.
- Estás bem pequeno?
Sempre estava. Para dizer que não se divertia sexualmente adorava masturbar os esquisitos. Talvez gozasse, talvez... Se lhe dessem motivos concretos pra isso: arrastado a casas distantes não se arriscava em ser omisso. Um beijo.
- Me leva de volta ao paraíso...
- Dorme, porra.
E acordava. De madrugada era quase de manhã e o pequeno se esgueirava da preguiça alheia. Um dia fora que lá de longe, próximo à praia, andou quilômetros com seu coturno de sola baixa. Tinha os olhos pintados e uma gangue que resolveu lhe perseguir. Mas o pequeno tinha medo e tinha também saudades de si: era melhor parar e deixar eles virem, afinal, já se divertira.
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