Pequeno Prefácio do Autor

2008 é nome da obra em que me insiro num universo da passionalidade ficcional.
Não sei se ao leitor agradará o ritmo e os recortes ou os possíveis surgimentos, sei sim que entre a verdade e aquilo que inventamos há um universo inteiro: é nesse universo que estamos no ano de 2008.
Prefaciando cada capítulo meu, encontro Waldo Motta, poeta dominador de almas que é.

O último capítulo Réquiem está na barra acima por um motivo último.
Os capítulos são interdependentes podendo ser acompanhados sem ordem ou pela ordem do leitor.

Classificação etária: maiores de 16 anos.

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terça-feira, 7 de abril de 2009

Rio de Janeiro XII

A amiga ficou um pouco irritada com o fato de o seu amigo pequeno dormir na sala com seu amigo lindo, como dizia ela, mas que mal cuidou. Mas como ela tinha certeza que seu amigo nunca iria se atrair pelo pequeno, viu que não seria tão mal assim. Até porque o pequeno preparou para ela também um sanduíche.

Ela dormiu bem mais cedo que eles. Eles fumaram muitos cigarros no corredor do prédio que dava para um vão enorme e vertiginoso, quando se olhava pra baixo, muitos suicidas ficaram com medo.

- Nem de noite a cidade esfria.

- Acontece em outras cidades, mas não aqui.

- Você é mesmo muito viajado né? Tu és dessas bichas, eu já saquei, filhinhas de mamãe e tudo mais.

- Pareço assim?

- Parece.

- Então devo ser.

O moço não viu que o pequeno já havia tomado seu relaxante.

- Você está diferente.

- Pode ser o cansaço.

- Mas só vai dormir quando eu quiser!

- Não tem como você ser mais educado às vezes? Poderia ser um cavalheiro, sabia?

- "Não tem como você ser mais educado às vezes? Poderia ser um cavalheiro, sabia?" como você é patético!

Começou a rir da cara do pequeno. Mas também tinha um misto de alegria. Acho que nunca ninguém um dia o cuidara ou estivera interessado apenas nisso: e o que era bom fica confuso. A bondade confunde a gente. Fraterno ou não fraterno, a lei do desejo era dispensável nos artigos constitucionais do pequeno.

Daí vemos que de noite, lá pela madrugada, o ranzinza como se esperaria se aproximou do corpo minúsculo e o tocou. O pequeno percebeu tudo, mas fingia que dormia e dormiu até o fim. Na manhã seguinte foi só a amiga sair para o ranzinza vir com pedras nos olhos:

- Tu é mesmo muito cara-de-pau.

- Por quê?

- Vai ficar aqui, vai fingir que não aconteceu nada? Não vai nem me xingar?!

- Aconteceu alguma coisa?

- Tu não percebeu nada mesmo? Larga de ser falso, fingido.

- Eu não teria motivos, porque se você tivesse feito alguma coisa, eu provavelmente teria visto ou tomado alguma postura, não acha? Eu falo a verdade, não vi nada. Me diz, o que aconteceu? Você passou mal?

O olhar de desprezo que o ranzinza tanto quis dar não conseguiu, por outro lado fixava firme para ter certeza nas palavras do mentiroso. Mas por fim, acreditou em tudo o que o pequeno lhe disse e até se envergonhou de ter tentado algo.

- Aconteceu o quê? Pode falar...

- Nada. Eu acho que te encostei de noite. Também tu fica com essa bunda virada pra gente, parece que quer dar o cu.

- A nossa amiga falava tão bem de ti, era outra imagem que ela me deu... mas, eu acho que me lembro de ter sentido isso.

Agora era pra confundir de verdade. Depois que se acredita na última verdade, vem a outra verdade, que era aquela verdade do início. É assim que fazem os espertos.

- Só que... eu acreditei que fosse um sonho seu. Por isso é que ao acordar te tratei normal, não era fingimento meu. Eu não quis te constranger.

Com essas palavras o pequeno conquistou finalmente o coração do coitado.

E eles de fato foram ao médico, finalmente o menino convenceu o rapaz a sair de casa mesmo no sol pior! Era necessário. E toda a áurea leve e conflituosa e leve e conflituosa embalavam o ranzinza na história de uma passionalidade atípica: para ambos.

O ranzinza continuava igual, tentando humilhar o outro, imitando-o para chateá-lo, querendo disputar intelectualidades e saberes: és artista? De quando? Ah, me faz rir, seu otário.

Durou uma semana assim, só um dia o pequeno faltou: é que realmente o trabalho apertara.
O ranzinza ficou naquele dia todo deprimido. E fumou sozinho no corredor. Depois disse que sentiu falta. Porque agora já tinha picos de ser mais carinhoso e grato. Alguns picos.

Para saírem daquela quitinete o pequeno convidou-o, que já estava melhor, a ir passar uma tarde de sábado lá onde morava em Santa Tereza, casa de boneca. Mas o ranzinza iria sozinho. O pequeno esperava.

- Não conte comigo, não sou como tu. Eu tô dizendo que não sei se vou. Acho que não vou. Não vou.

Mas foi. Sábado de tarde. Em Santa Tereza o clima era mais ameno, devido às árvores ainda. O afastamento do asfalto. E de tanto tráfego. Até de gente. Que gente suada também aumenta a quantidade de calor no espaço.

Ali, é que o pequeno se fez cobra. Já estava satisfeito, calculava que o rico de alguma forma teria visto, sabido, que eles passearam quase todos os dias pelo centro do rio de janeiro, área da cruz vermelha e até a lapa, até a fundição progresso continuaram, até que o ranzinza se irritasse. E irritado voltasse reclamando pra casa: - não sei por que vim até aqui!

- Eu também não. Mas está te fazendo bem, sabia?

Naquele sábado, estava o pequeno em seu covil. Era ali o ato primeiro: deduzido certo de que o ranzinza estava admirado de si, mais talvez pela capacidade de ser inquebrantável do que necessariamente sedutor, foi que colocou um cd do Depeche Mode anos 80 e importato para ouvirem.

O ranzinza nunca mais tentara nada sexual com o pequeno, embora muitas vezes se irritasse de se controlar disso. Naquele dia, talvez pensasse, será o menino a dar provas de suas taras. Mas o menino, depois de ouvir todo o cd, que lhe era de coleção deu de presente ao ranzinza. Que ficou ainda mais admirado, e admirado do gesto surtou num ódio contido: que cara de pau! Como alguém humilhado e dedicado a mim como este ser imundo e ridículo ainda me dá um presente?

É porque sois amado, humano, e não sabes ainda dessas delicadezas que de verdade acontecem aos que tem bom coração.

Nosso pequeno, no entanto, apenas tocou em seu braço e ali, no braço já mais firmado fez um carinho. Logo se via e se comprovava mesmo: aquele rapaz doente e doentio nunca havia sido desperto por nada que assemelhasse às dignidades próprias do corpo.

Um afeto despretensioso o deixara tão confuso e perceptivelmente confuso que disse se levantando rápido que precisava ir.

- Mas se estás aqui sem compromisso, a não ser o de se curar?

- Tu quer que eu fique!?

- Não. Quero que seja a sua vontade, se quiser ir, vá.

O ranzinza insistiu em ir, talvez pensando que ainda pudesse jogar. Mas não se joga com gente daquela laia: se queres pular, pula. É sempre a sua vontade, pensava o pequeno, que sem mesmo ansiedade ou desejo, já se tinha por satisfeito. Conquistara a alma. Do que servirá o beijo?

Até pegar o bonde que era mais barato, mas que demorava mais nos finais de semana, o ranzinza esperou e o pequeno ao lado, impassível, certo de estar sendo compreensível. Nessas alturas o que lhe era crueldade, já nem o ranzinza discernia ou nem percebia de tão bom que ele tinha sido até ali.

É importante deixá-los confusos para que eu aja - do verbo agir - mais tempo, sorria o pequeno naquela partida.

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