Pequeno Prefácio do Autor

2008 é nome da obra em que me insiro num universo da passionalidade ficcional.
Não sei se ao leitor agradará o ritmo e os recortes ou os possíveis surgimentos, sei sim que entre a verdade e aquilo que inventamos há um universo inteiro: é nesse universo que estamos no ano de 2008.
Prefaciando cada capítulo meu, encontro Waldo Motta, poeta dominador de almas que é.

O último capítulo Réquiem está na barra acima por um motivo último.
Os capítulos são interdependentes podendo ser acompanhados sem ordem ou pela ordem do leitor.

Classificação etária: maiores de 16 anos.

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sexta-feira, 20 de março de 2009

Rio de Janeiro V

Ele só queria ter provado que a vida independia de amores.

Ele só queria ter provado um pouco mais da ilusão de não existir paixão capaz de arrebatar seu espírito. E naquele fim de tarde, nos braços do amante persistente, adormeceu, como acontecia às vezes com a gente, aquele cochilo rápido em em que se viu num lugar muito alto e de lá caía e tentou voar, e as pernas do lado de cá tremeram, mas o rico não se moveu, as pernas dele estavam confortáveis agarrando ao máximo e por tempo máximo o nosso pequeno. Na tentativa de escapar da queda gritou outro nome em vez do rico. Que este sim ouviu meio assustado.

Logo acordara e prometera em silêncio nunca falar disso. Era vingança de todos, talvez, conquanto ele sobrevivesse e provasse que independente de amores: existia a vida.

E saudade e carência, o pequeno não sentia? Ah, para cada gotícula disso ele tinha um remedinho.
- Deixa eu morrer em paz, eu preferiria, que se tu morresses antes... era de me deixar feliz. Daí sim eu viveria contigo onde tu quisesse. Se ver que eu morro contigo te mata antes e realiza meu último pedido?

O rico abanou a cabeça como se não acreditasse que o pequeno fosse tão obsecado pelas bobagens que lhe saíam. Mas era essas bobagens iguais que lhe deixavam num outro patamar, de estar quase no céu de fim de tarde quando o céu é fogo e não paraíso e provoca um receio de fim de mundo e ao mesmo tempo não acaba nunca! Como se ama quem tem espinho? Várias vezes se perguntou e perguntou aos outros... era uma questão infantil.

Por mais quatro vezes se encontraram. Mas lá naquela cidade cristã nunca passaram as noites juntos. O nosso menino sempre precisava estar consigo. Nem que fosse por seu próprio braço enroscado alisando francamente o dorso em forma de mãe-e-feto.

A sua sorte na história toda era amar alguém que não podia ficar muito tempo, no máximo dois dias, no mesmo local que não fosse o seu próprio. Como os vampiros tem que voltar a sua terra para reforçar os caninos.

Toda má sorte começou quando descobrira que o tal amor nunca tivera família. Ou que, na verdade, não eram sertanejos, ou que nem saberia de onde vinha tanta fortuna, porque o rico nem mesmo tinha amigos apresentáveis. Tudo acontecera nesse tempo em que mais uma vez a vida lhe tirava verdades e lhe enchia de novos horrores. Por isso é que o encontramos com desespero e por isso a sua vontade sempre enlouquecida de fugir, mas já havia aprendido a fingir e fingir que não se sabe de nada é uma das piores potencias conquistadas.

Quando a família o via sofrer uma vez respondeu que estava doente. Quando alguém lhe contava histórias de amores, lhe vinha a mente que não deveria nunca ousar contar a sua, para quem fosse, por maior que fosse no seu patamar de especiais amigos. Assim tinha feito há muito tempo atrás e refaria com qualquer nome que cruzasse seu destino cheio de improbalidades mais vivas que as nossas culturas quiseram existir.

Talvez um devesse aprender com o outro das artimanhas: um aprendia que fingisse ou soubesse fugir, o outro aprendesse a mentir. É que o pequeno tinha capacidade de muita coisa, mas mentira poucas vezes, se lhe fizessem a pergunta certa lhe escapava a resposta exata. Não era certo fazer com os outros o que o destino fez de seu coração. Por mais pequena que fosse a invenção que viesse ao papel, aos olhos dos leitores todos, mas nunca de verdade, porque esta já era tão fadada a ser burlada e recontada com todos os recortes permissíveis que não existia: se não existia nem dor? Só a física controlável.

Lembrou-se com carinho e sem revolta de traição da memória que surgiu, do dia primeiro de sua faculdade, de como estava novamente se sentindo livre e de como meses depois o nosso amante retornara e o impediria, desde a sua primeira visita à ilha, de ser só. Essa fascinação pela independência era a primeira de suas ilusões que até hoje passado os 2008 ainda persistia.

Intocável. Persistia. Em todos os sentidos. Explorável até o fim que não se encontra, mas issso porque criava nublagens ao redor e fazia os poucos homens darem voltas. Burlar a alma de poesia talvez o impedisse de morrer e ao mesmo tempo lhe desse continuidade de dar provas que um dia a velhice chegaria a todos e ele sorriria enfim.

A verdade é que o feio voltara ainda muitas vezes quando não estava com o rico e não sabia se era pior a agonia daquele ou a saudade deste aqui. Agonia porque demorou muitos anos para que tirasse da memória na sua autolavagem cerebral que um dia tivera um primeiro amor e depois quantos anos demoraria para que se arrancasse o segundo?

E como faria caso os dois existissem juntos em 2008?

Ainda bem que estamos no Rio e que lá ele não pensou nesta possibilidade pior. Voltou até a sua casa bastante nervoso. Fechou-se como sempre em seu mundo e não escreveu nada. Tomou de um remédio muito bom e dormiu. E desde aquele dia naquela cidade não parou mais de tomar, conseguiu até dois psiquiatras um para as crises criativas outro para o esquecimento da bulbina.

Vamos repetir com palavras diferentes a história que teremos que uma hora inventar. Neste presente de agora, o pequeno se isola, trabalhando feito louco ou desligando o celular. O que lhe importa é sentir o tempo passar, pois que seja sucetível ao sucesso e que o público espere dele o mesmo riso fraterno. Não podendo dizer mais nada, mais uma vez fracassar na fortaleza de fingir que não existem mistérios.

Teve um segundo marido nessa história, que contaremos em detalhes mais tarde. Antes do Rio e antes da cidade natal que era antes da formatura que era antes da ilha que era antes de novamente a cidade natal... e assim anteriormente era. Perdeu-se porque foi burlado pelo pequeno, fingindo-se de casado porque no fundo não deixara de amar nem o feio nem o príncipe, estava aprendendo.

E quando morou em Goiânia também pensou que estava a salvo das dívidas cármicas. Goiânia é tão Goiás que logo lhe mentiria o céu: é preciso sempre voltar às bruxas, porque é de escrita que sua veia transparecerá. Ali, até se livrou por quatro meses do nosso rico amante, mas quatro meses é só férias, não mudança, embora assim tenha feito pra ser. Estava aprendendo.

Mas foi na Lagoa com árvore de natal imensa, luzes e coisas chiques ao redor que o rico lhe dera notícia no quarto encontro que se mudaria para ali. Que quisesse viver sua vida pequena, mas que deixasse ele estar por perto. Nunca aceitou o que o pequeno fazia de si, mas era o amado de todos os dias e lembranças e ligações de mil celulares diferentes, para distraí-lo, já aprendera. Chamadas nunca identificadas, números do país inteiro, e o pequeno nunca aprendia. Algumas vezes sim, deixava tudo desligado, como faz agora, mas por motivos de segurança não podiam ser tão facilmente vistos.

Juntos, jamais. E isso revoltava também o pequeno embora, como sempre, fingisse para si mesmo que não. Mas o que eu pequeno queria como todo pequeno quer não é ficar grande, mas pelo grande ser roubado até não poder escapar mais e preso para sempre em seus braços não poder nunca mais justificar sua vida por ser sua. Só torcia que não fosse no nordeste. Então seus joelhos mais uma vez balançaram e ele resolveu por revolta que encontraria um amor prático em vez de aceitar que o rico se mudasse pra lá.

- Tenho um namorado.

Mentiroso. Calcularia um. Algum imensamente tolo que pudesse dizer: você é meu namorado. E a vida desta vez e como sempre faz com os tolos o colocaria, como a vida fez com os seus passados maridos, tolos na sua frente a lhe dizer: como você fez isso comigo?

E ele responderia com a resposta que os tolos gostam de ouvir: é talvez o amor. mesmo que fosse uma resposta com os olhos que focados bem nos olhos de quem quer ouvir e a cabeça bem levemente de lado, os ombros um pouco de acolhimento e acolhida, e as mãos para trás ou agarradas ao cigarro e esqueiro para dar um ar de contradição... Depois escolheria uma parte do corpo que pudesse tocar e outra que nunca tocasse, para que desse sensações de pudores aos coitados que ainda acreditam em tolas frases de amor.

O Rio de Janeiro era mais bonito no Natal que no Outono. E nisso já se passara um ano, não?

- Tu deixarias toda a sua administração para vir pra cá? Aqui?

- Mas não é daqui que você gosta?

- Eu gosto de mim aqui, é verdade. Mas posso me gostar em outros lugares.

- Pra fora do país.

- Tenho medo. E eu não gosto de sentir que posso sentir medo.

- Você vai ficar comigo.

- Tenho um namorado já disse.

O rico sabia que era mentira, mas sabia também que o nosso pequeno faria de tudo para fazer disso uma verdade. Como o rico sabia. Engraçado como sabia de tudo!

- O seu problema nas outras cidades é que lá você tem muitos amigos. Aqui quem você tem?

- Eu sinto falta dos meus amigos, sinto falta de muita gente, mas também nisso aprendo a ser forte. Uma hora não vai ter que ser assim?

Escapou-lhe a fraqueza, como se o futuro lhe viesse, e a mente lhe mostrasse: sim, uma hora vocês dois ficarão juntos, só nos resta saber se com o futuro que um planejou ou o outro.

A verdade é que o rico era claro em todos os encontros que ninguém nunca soubesse que os encontros aconteciam. No que o pequeno fora forte até então. Até então... e por isso, talvez uma certa vingança. No Rio seriam perfeitos! Mas não... havia a escrita, havia alguma saudade, havia alguma coisa a se resolver antes daquilo, calculava intuitiva que era a sua alma inquieta, seria perfeito, mas não! Alguma coisa ainda o impedia de estar ao lado do rico, só que naquela cidade o coitado mal sabia o que o futuro dos teus cálculos lhe retornaria.

Porque mesmo pressentindo as coisas, a gente só pressente. Não é como sinal do homem-aranha quando o perigo está bem próximo. É coisa que ninguém, nem os melhores espíritas, nos ensinou: prever as próprias ações no tempo pressentido. Aliás, era essa a expectativa mórbida dos médiuns. Um dia voltar a dizer: tudo é desígno de deus.

Como viveria escondido naquela cidade grande? Se fossem pobres, muito pobres talvez, mas coisa que o rico não admitiria. Se fossem muito humildes, mas coisa que nem o pequeno gostaria de viver por muito tempo. Até porque tinha esse pacto com a escrita e a escrita diz, por missão, faça-me claro aos homens ou a potestade mas não me deixa queimar num computador cinzento. As placas logo evoluem, e não haverá hacker que poderá decifrar o que está sendo feito.

São tantos pesos num corpo só.
São não são. Pra todo mundo é. Pensava ao ponto de se distrair. Pra todo mundo é, repetiu, para que fosse forte. Se todo mundo continua mundo não há nada o que temer e podes, pequeno, protelar um pouco mais das decisões conjuntivas.

- Deixa o Rio pra lá. Eu tenho um namorado e depois eu volto ao sul pra concluir os meus escritos.

Foi daí que pensou em atirar o pequeno na Lagoa que tem nome de gente ou políico desconhecido para ambos? Quem foi Rodrigo de Freitas, afinal?

- Por que não fuma maconha ou cheira? Por que não toma outros tipos de boletas?

Ah, que ódio o pequeno via nos braços grossos do seu princípe e para acalmá-lo alisou sua face e disse do quanto ele nunca envelhecia.

Mas nunca disse: eu te amo, também nunca ouvira.

Fosse isso quem sabe, tão simples. Mas vergonhoso aos dois.

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