Pequeno Prefácio do Autor

2008 é nome da obra em que me insiro num universo da passionalidade ficcional.
Não sei se ao leitor agradará o ritmo e os recortes ou os possíveis surgimentos, sei sim que entre a verdade e aquilo que inventamos há um universo inteiro: é nesse universo que estamos no ano de 2008.
Prefaciando cada capítulo meu, encontro Waldo Motta, poeta dominador de almas que é.

O último capítulo Réquiem está na barra acima por um motivo último.
Os capítulos são interdependentes podendo ser acompanhados sem ordem ou pela ordem do leitor.

Classificação etária: maiores de 16 anos.

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domingo, 5 de julho de 2009

Réquiem 1.977

Acordara tão limpo e bem nutrido que parecia-lhe até que já era 2009, abriu um pouco só da janela e abafou os gatos com muito cuidado. Gostava de mexer em suas patas, brincar com elas e com as unhas e o pêlo de cima, macio e confortável, e deixar que eles fincassem um pouquinho na sua pele fina também. Os gatos ronronavam e pediam mais um pouco.

O ditoCujo a essas alturas já existia, é verdade, e a Personne era uma personagensíssima dentro do univero que o pequeno criara. O apartamento estava mudo. E ao redor de todo o silêncio não sobrava assassinatos dos dias anteriores ou despedidas.

O que estava morto, morrera enfim, e o dia recomeçado era por um tempo só: um dia inteiro de vida ainda. Claro que lhe faltaria pensar no rico até o final do ano, mas não quis. Por uma decisão sóbria, apenas terminou de abafar os gatos e brincar com eles, arrumar a casa e deixar que eles bagunçassem um pouquinho. Mais tarde eles bagunçariam ainda mais!

Recebera a visita de um amigo e daí sim fora pego de surpresa, por que afinal os amigos fazem perguntas que cabem tão dentro das cabeças certas e dali resolvem implicar um pouquinho. É a pergunta e não os amigos.

Foi um pouco triste reconsdirar aquela tarde em que não pensava em morte alguma, pensava sim, nos gatos e só neles. O amigo era tão inocente e queria tanto participar mais daquele mundo: por que um dia tu não pensas em voltar?

- Voltar pra onde?

- Não sei, são tantas viagens. Você nem fala mais em Brasília, aliás, você nem fala.

Era até bonito de ver o queixo do pequeno tremer assim desprevenido e correr os olhos em busca de algo fixo, uma triangulação que não soube ou não aprendeu no seu teatrinho. Era mesmo bonito de ver como ele pensara ou calculara não chorar na frente do amigo e tentar disfarçar que estava mesmo ficando frio em alto verão! E que se o café acabasse faria outro, não?

Pôs a mão na sacada. Não se poderia acabar com a alegria tão jovial e a curiosidade tão simples daquele amigo seu.

- Talvez eu faça uma festa pra Personne, em janeiro.

E a mudança de rumos foi exageradamente perfeita. Falaram dos balões e da maneira como cantariam parabéns. Dos convidados e das surpresas e de que seria um dia de sol como aquele. A visita saiu e deixou o pequeno por conta de si e da sua pergunta sem resposta ainda. Na qual nem pensaria em responder posto que não a formulara e nem a formularia talvez nunca.

Porque se lhe perguntassem ele teria respondido que a cidade em que fora mais feliz fora a cidade natal e teria respondido também, que embora não fosse um artista brasiliense e que nos pés da tal catarina depositara votos da sua demência, talvez nem ousasse sonhar novamente em habitar por aqueles céus. Sabe-se lá que tipo de afeição o exilado toma pelo exílio.

Matar uma cidade inteira de si seria muito difícil, pequeno, não ouse brilhar os olhos assim, é disso que os gatos tem medo quando correm de ti e saltam e pululam quando tu emerge teus braços pequenos sobre o ar e diz: está feito.

Não, o pequeno não dizia coisas sozinho: porque era feio. Melhor era escrever. Melhor era tentar verificar no céu daquela ilha ou na temperatura mesma alguma similaridade. Não tentar buscar passado algum, criança alguma que tenha nascido naqueles céus. De fato, se nascera por corpo na cidade predileta, fora por coração criado naquela ilha que não lhe era hostil, não mais. Aprendera ali, afinal, a tantas artimanhas, e havia tantas outras.

Daí que se viu chorando de insônia aos sete anos de idade, era uma insônia bem ruim e triste, porque não podia acordar os pais com probleminhas desses. Assim pensara durante longo tempo e não podia dizer às outras crianças que não tinha medo do escuro, porque certamente elas não iriam acreditar. Daí se lembrou de brincar. E não tinha brincado boa parte da manha com seus gatos? Tinha, isso não se acaba nunca por ser adulto ou por continuar pequeno.

Se morresse em 1.977 poderia ser que sobrevivesse um pouco mais no ano que vem, com mais frieza olharia para os novos casos de amor e diria muito claro: eu nunca amei e estou feliz de sentir isso.

Olhou para os inúmeros remédios. A noite estava muito bonita e ainda não tinha chorado nada. Era frio o coração sensato. Sentou-se com inúmeras esperanças e em nem uma delas havia Brasília. A cidade que lhe valera mais felicidade era coisa de outra encarnação, a cidade de nascer era uma cidade bonita e construída com olhos viris e erguida para não ser de seu destino.

Em todo caso, Floriano, que nem de perto chegou a conhecer a história, deixara seu nome bizarro bem tatuado nas revistas de turismo. Gargalhou um pouco. Sim, iria aniquilar seus tantos anos de vida. E decidiu fundar seu império de novos amores, caso acontecesse, riu de novo, ali: Brasília, afinal, era ainda muito quadrada e geometricamente perfeita para o seu corpo ossudo e canhoto.

- Não é preciso chorar, meus gatos, eu ficarei aqui e vocês nunca passarão pelo estresse que é de sair do lugar que lhes é de direito.

E ficou feliz de segurar os bichos novamente e abafá-los novamente de mil denguices e depois limpar suas areias, como se fora mais um dia.

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