Pequeno Prefácio do Autor

2008 é nome da obra em que me insiro num universo da passionalidade ficcional.
Não sei se ao leitor agradará o ritmo e os recortes ou os possíveis surgimentos, sei sim que entre a verdade e aquilo que inventamos há um universo inteiro: é nesse universo que estamos no ano de 2008.
Prefaciando cada capítulo meu, encontro Waldo Motta, poeta dominador de almas que é.

O último capítulo Réquiem está na barra acima por um motivo último.
Os capítulos são interdependentes podendo ser acompanhados sem ordem ou pela ordem do leitor.

Classificação etária: maiores de 16 anos.

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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Julho 6

- fútil, superficial, perigoso?!!

foi aí que ele jogou a taça que bateu no ombro do rico e manchou a camisa tão cara de vinho branco.

- vinho branco não, champagne, dizia. você nunca me agredira desta forma.

- eu não te devo nada. talvez sim: violência.

- eu sabia que um dia iria ver tua sombra, tua ardência.

- não não, isto tu viras até agora. agora o que vês é realidade. eu não posso. eu não posso. eu não posso ainda.

- e que moralidade tu tens? que moralidade é essa?

- a mesma que a tua que vens me dizer com todas as asneiras de um elefante gordo que mudaria por nós. e já se passaram anos e a única coisa que tu consegues fazer é me perseguir? e cada vez que vem até mim e eu te recebo tu não percebes que estás mais gordo?

- como tu estás mais magro.

- como o outro está mais feio e velho e eu ainda mais belo, tu queres dizer.

Sem querer falou no outro. O rico pensou assim: afinal, quem é esse outro? havia outro? então aquela coisa toda de se manter sem ninguém, distante e intocável, afinal não era mesmo verdade alguma? E o pequeno percebendo dessa aflição e conhecendo o orgulho transparente das indagações do rico deixou-o com seu olhar de outro e sorriu.

um riso de ódio contido. um riso de malíca. parece que algo lhe passava pela mente também. mas foi juntando a taça quebrada e depois grudou bem forte o lenço de papel (ou guardanapo chique) no pedaço do ombro do homem rico. entre a pele do ombro e os seus dedos, portanto, havia: a camisa cara, o vinho branco, o guardanapo chique. por isso ele apertou para tentar chegar ao tato mais profundo sem perder o orgulho.

- não existe outro. quando eu digo outro é porque sou eu. o outro de mim. o outro que você não conhece.

foi assim que passou o riso de ódio e voltou a reestabelecer seu espírito poliana que eram várias anas boas que ele sabia ser. essas anas boas eram o que tinham feito o rico se apaixonar por ele. e ele não estava enganando o rico, uma vez que o feio já o tivesse possuído em alma-viva. ainda que de enganos, repito.

- antes de voltar contigo a cidade natal eu prometo que volto. mas prometo pra mim mesmo que preciso de mim agora e que preciso solucionar a mim mesmo. se tu me encontras aleatoriamente por cada cidade que fujo e já não é nem mais de ti. nem sei mais se fujo na verdade. se é assim eu vou viver contigo sim por lá. mas se já esperamos 12 anos um ano a mais concluindo uma vida a mais do jeito que quero viver aqui nesta ilha pode ser.

- mas me diz mesmo assim quantos quantos passam por ti quando eu fico longe? ou melhor, por que tu não me sacodes sim, me joga uma taça para saber de mim? quantos que eu pego e trepo e minto de verdade só para não ficar pensando em ti: você vai para lugares tão extremos!!! E só não enlouqueço...

- porque tens dinheiro. porque não podes deixar de ser lindo. nem um dia eu te vi de barba malfeita. eu nunca perguntaria o que eu não preciso saber.

foi aí que tirou a força dos dedos, mas não todos eles. apenas a força.

- um dia você me disse que não me olharia no Rio de Janeiro se me encontrasse como garçom de esquina. e olha como eu estou agora: uma vida estável e uma vida decente aos olhos de muita gente que só me tinha por mais um doidinho artista.

- eu também lhe disse que eras a pessoa mais prudente e equilibrada, não disse?

- ainda bem que quando foste ao Rio eu já não estava tão apaixonado assim pelos mendigos. nem por uma vida simplesmente aventureira.

- eu não entendo até hoje por que foste ao Rio.

- você não se lembra daquelas fotos todas que me mostrava do seu grande e maravilhoso Rio de Janeiro? Mas como iria supor que eu não lhe diria que já estava em mim a vontade de sair da cidade natal? Não eu nunca lhe falaria. Era preciso não deixar suspeitas... Mas de qualquer forma, no Rio, como tu bem me visitastes eu não tinha grana para estar no lugar daquelas fotos. Mas eu sentia o mesmo calor, não?

O segredo do rico não era clássico. e é por isso que os nomes não podem ser ditos jamais. É importante também dizer: Julho 6 é o nome do capítulo e não a data de julho.

- eu acho que nos reveremos, mas aconteceram fatos em mim e contigo e eu sei que nós não falaremos sobre isso.

O seu fato era aquele: do reencontro. Suspenso em mistério-amor-coisa-de-deus-sei-lá. o fato dele, o pequeno pressentia.

- Eu vou parar com tudo isso.

Dizia o rico.

- é uma frase clássica também. é uma frase que mente sobre tudo.

e voltou a sorrir: - mas eu gosto de mentiras, não é?

- não é mentira! porra!

Foi a primeira vez que o rico falara um palavrão na sua frente. Que coisa estranha, mas existem pessoas assim até hoje, sabiam?

- e nós não faremos nada?

- não, eu vou reter meu esperma, como eu faço normalmente com os outros. eu vou te fazer sentir eu vou te fazer sentir como os outros sentiram: que eu fui um estorvo, engano enlouquecedor e manipulador de desejos ou de não-desejos. alías, eu vou te jogar outra taça. porque tínhamos duas e eu acabo de pegar a tua nas mãos enquanto a minha outra está em seu ombro o que fica mais fácil pra mim. e você não pode ir simplesmente por aí ferido. pode?

Como ele era grande se levantou e deu-lhe um tapa no rosto muito bem dado. ele era também mais velho. ele era também mais forte.

o pequeno não falou nada nem se sentiu muito mal. ele teve ao menos a reação fascinadora de um homem tão politizado e certo e correto de suas hipocrisias e de seus fingimentos sociais. ele tinha ali, naquele momento assumido também uma coisa de gente! Foi daí que abriu uma das gavetas e pegou uma de suas boletas e repartiu em dois. colocou na boca como se fosse hóstia e na do outro para que ficasse mais calmo.

- o efeito vem em vinte minutos. dá tempo de você pegar um táxi e ir ao teu hotel. chegando lá você me manda mensagem dizendo que está bem.

o pequeno escreveu a mensagem enquanto ficavam em silêncio.

- é só apertar enviar. para não cometer o erro de escrever errado. enquanto isso o meu amor. nunca pára. por ti.

Não quis ser tocado. Quis chorar mas a baga já fazia o efeito reconfortante. Quando o outro saiu foi que ligou o seu próprio celular. Ficara aquele jantar todo desligado para nunca serem importunados. a mensagem chegou depois de vinte minutos. ele apagara a mensagem recebida e nunca mais se viram.

No outro dia foi que se lembrara que o fato de os homens não saberem criar suas próprias histórias não os impedia de tomarem suas decisões íntimas. Ele passaria o dia inteiro fumando e rezando que o rico encontrasse outro queridinho que o feio estivesse em paz e que ele próprio tendo amor próprio esperasse calmamente a noite para dormir de novo e de novo e novo dia.

Ansioso não por um terceiro amor, mais por um remédio que lhe desse conforto na carência e na derrota. que aliviasse o peso de fracassadas sucessões de ódio. e ao mesmo reconstruísse diariamente seu cotidiano no trabalho e nas artes. mesmo que fingisse ao mundo: eu estou bem, porque estou aqui. vejam, eu venci o monstro do destino e encarei um reino de amores sem me contaminar disso.

Para falar a verdade, vez ou outra se encantava, de que reencontraria de novo o feio ou se pegava ansioso de que o carnaval de 2009 chegasse o mais depressa possível. E estávamos bem longe disso, pois era julho de 2008.

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