Pequeno Prefácio do Autor

2008 é nome da obra em que me insiro num universo da passionalidade ficcional.
Não sei se ao leitor agradará o ritmo e os recortes ou os possíveis surgimentos, sei sim que entre a verdade e aquilo que inventamos há um universo inteiro: é nesse universo que estamos no ano de 2008.
Prefaciando cada capítulo meu, encontro Waldo Motta, poeta dominador de almas que é.

O último capítulo Réquiem está na barra acima por um motivo último.
Os capítulos são interdependentes podendo ser acompanhados sem ordem ou pela ordem do leitor.

Classificação etária: maiores de 16 anos.

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domingo, 7 de junho de 2009

Orquídea07

São como essas coisas que existem na natureza, e a gente tem que conviver com elas sob e sobre a sutileza, muitas vezes de um simples espirro. As bactérias, os fungos, os vírus: são seres vivos.

Que assim seja, pensava o pequeno em seus finais de orquídea. Planejava nada além do que plantar e talvez, se tivesse em seu tempo, colher frutos. Não era assim com os ditados que os homens criaram para manter forte e robuto todo o corpo de cidades inteiras: a bem de quem?

Não, no século em que estamos, ou iniciamos, puro século, já os historiadores não sabem dizer: não estamos num século de pátrias. Pelo contrário, a sobrevivência econômica ainda é mais vital que a sobrevivência digna do corpo. Desde que todo o equipamento não vá em descrédito. Mas quem passa por essa vida sem dívida? O pequeno. Que vivia na natureza mundana nem como servo nem como destinado: eu escrevo, eu escrevo... repetia, mas não por isso é que tinha sido especial na vida. Escrever era um passatempo ou um momento de sorte. Escrever era e havia sido um meio de colocar provas de sua existência: sem amores, confuso, deserdado, rejeitado, alucinógeno (em se considerar a capacidade de drogas que foi capaz de engolir num único domingo).

Nasceu de um pai bissexual, não assumido, com mãe liberal e irmãos muito contentes em estarem sempre vivos: o mundo deles, era uma redoma indizível. Que por bem de magia alguma, muitas conversas sobre os outros mundos, é que se mantinham apanhados e acompanhados do século vinte e um. Sabia disso, com uma certeza de vários sóis: sou fruto deste século em que a ordem era acabar com os resquícios dispudores de uma família que não existe mais.

A família, sou eu. E era bonito isso. Enquanto se admirava que os que o rodeavam ainda creavam numa família antiga.

- É perverso o que você faz dos seus segredos...

- Eu não podia estar aqui na sua casa se não quisesse te ver.

- São oito meses até aqui. E eu sentia tanta falta, dizia o pequeno.

Era assim que seduzia o homem? Considerando sua parte mais humana? Seu cuidado. Seu modo de servir vinho. Sua maneira de amaciar os ouvidos para entrar a raiva alheia: ninguém no mundo hoje em dia tem tempo para ter paciência com as irritações.

- Eu não quero a mania alheia. Eu quero possuir a legião. E isso tem um custo. Bebe o vinho! Bebe e vamos pra cama. Bebe e deixa que se derrama o que falta de mim. Tudo, eu não te disse, começou quando nos encontramos, e você, meu querido homem, que um dia entrará como mulher neste, mundo não foi gerado por mim: tu foste trazido aqui para uma obra única.

Quanta megalomania em seu destino. E pretensões? De fato, por que não? Se pretende ser rico, ter carro, sair pela Europa ou fazer doutorado. Por que não se pretender assim? De certo modo acariciado por fantasias que criava pra si. Por que culpá-lo? Se não perdia o tempo fazendo planos com a mega sena, gerava textos complexos de seu prazer íntimo. Sua vida está feita, pequeno, e o rico que se foda.

Nessa aventura, o pequeno só foi perverso com o homem, porque não podia deixar de sê-lo. Quando se lembrou de que aquele homem, negro e robusto negro, forte e vigoroso, se desviava de si por um segredo, ou desejo apenas: comer o cú do pequeno. Oito meses de fascínio por isso? Mas não por isso. Poderia ter dado amor e outros frutos mais românticos. O pequeno bebia ao se lembrar dos cálculos que não fizeram. Quis até pensou até em abraçar aquele homem que logo destruiria. Avisaria-o de que tudo estava errado? No final das contas, nem sexo fariam. No final das contas, só teria o prazer de vê-lo: dlim, dlom, estou aqui. Com um sorriso bobo. Foi possuído?

- Se eu realmente não quisesse não esperaria oito meses para estar aqui.

Ao final:

- Vamos nos ver de novo?

E o pequeno:

- Claro que sim.

Mas não nessa vida, pensou baixinho. Nessa vida ainda temo resolver o meu ano.

E enquanto ele tirava a calça do homem hetero, sua última vítima, coisa que toda biba quer provar, o pequeno se lembrava do feio. Sim, e se lembrava do rico. Sim, e se lembrava de si. E se lembrava de ter amores. Mas a mão macia e aconchegante, o sorriso de simples paciência vinha a quem? Ao homem, que coitado, via tudo e tudo interpretava, como não poderia ser o contrário: como se fosse tudo para ele. É meu o pequeno, sorria.

- Você não vai mais ficar com ninguém? Só comigo?

- Sim.

Mas quem te trouxe foi o feio, quem te construiu foi o rico e quem te encantou foi pequenininho.

- Você quer que eu dance pra você?

- Quero.

E o pequeno se despiu mesmo. Dava pra ver, luz de sala. Nem velas, o corpo bem magro de uma cobra rasteira. E aquele piercing no mamilo, o que dizia? E aquela tatuagem bonita... É preciso tampar o passado. Ou as místicas de lado, era uma tatuagem divina. Seu pacto de humanidade. Dizia. O pequeno, por tanto, nunca estava pelado.

Quando se deitaram, sentia-se materializar num ritmo de escrita, mas vivia a festa feita: ao mesmo tempo os flashs todos do recente passado. O encontro com seu feio no dia de julho de 2008, e sua família reunida, no mesmo tempo o colapso de ter sido levado por destino de quê? Era tão difícil assumir ao mundo que não existia destino. Era planta, apenas, planta, sob os ventos e organismos. Mentira. Era o rico que construíra sua casa para colocar uma plaquinha de madeira com a ousadia de seus dois nomes: amor verdadeiro?

Por que não ter simplesmente vivido? Por que tantos casamentos e casos? Por que tanto tempo intocável? Apenas para controlar as letras? Ou manipular os diabos que matara de cabeça pra baixo. Mais de um voltou e mais de um se feriu. Nas mãos do homem, qualquer homem, só resta o homem.

- Nós somos uma espécie linda, falou baixinho no ouvido dele, depois de vê-lo gozar. Falou baixinho, você não acha?

Foi aí que o homem se deu conta da besteira ou do feitiço, foi aí que recusou o beijo do pequeno, foi aí que pegou suas coisas assustado e balançava a cabeça como se dissesse que não, não não não era verdade.

- Eu, eu mesmo nunca teria saído da minha vida para estar aqui. O que você fez comigo de me seduzir e me deixar exposto.

- Pode deixar, é um segredo nosso.

E de segredo em segredo iria contratuando humanidades. Era assim que aprendera a se proteger. Assim teria aprendido muito mais com o rico, que segredou o pequeno num bloco de riquezas.

Ao fechar a porta e saber que concluiria o seu romance bio-fantasmagórico, foi o rico que viu por detrás de si.

E não é que as coisas do espírito não existem mesmo. Mas há coincidências do pensamento. O celular tocou. Nem era madrugada inteira.

Agora eu tenho provas de que tudo vem a mim. E nunca mais pensou no destino daquela criatura homem, nem precisava mais pensar, o mundo que cuidasse dele e de seus segredos. Difícil mesmo era se concentrar com o aparelho tocando e tocando e não por falta de coragem, mas para se dar fôlego é que falaria assim:

- Não adianta mais. Eu enlouqueci.

Foi a primeira vez que ouvira o rico chorar? O rico finalmente desesperado. O rico finalmente preocupado?

- Eu tenho coisas pra te falar ainda.

Onde você estava, pequeno? Na cabeça de quantos infelizes? E todos mesmo infelizes que não salvavam tua cabeça nem por um fio.

- Depois da nossa última briga? Eu enlouqueci, meu rico, eu vou terminar o Orquídea.

- Você escolheu a pobreza, você escolheu a solidão, você escolheu a tortura desses dias e de todos os outros. Você sempre escolheu, você escolheu a insônia, você escolheu me esquecer. E por quantos anos? Quantos anos fugiu? Você escolheu não querer a casa que construí pra gente, pequeno, você enlouqueceu.

Era isso.

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